Páginas

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Amai os vossos inimigos

Amai os vossos inimigos
 Cap. XII do Evangelho Segundo o Espiritismo

É possível fazermos o bem a quem nos feriu, traiu e roubou?

Aprendestes o que foi dito: amareis o vosso próximo e odiareis o vosso inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e caluniam, a fim de serdes filhos de vosso Pai que está nos céus e que faz se levante o Sol para os bons e para os maus e que chova sobre os justos e os injustos. Porque, se só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa?
Não é nada fácil a gente amar os inimigos, e é difícil de engolir. Certas frases de Jesus não foram entendidas naquela época e, também, hoje, pois, muitas pessoas não as compreendem por lhes faltarem a chave que é a Doutrina dos Espíritos. E Jesus explicava aos apóstolos que eles não estavam prestando atenção ao espírito dos textos. Os judeus tinham aprendido que deveriam odiar os seus inimigos. As orientações que eles recebiam, em geral, não provinham de Deus, como consta na Bíblia, mas de Espíritos não muito evoluídos. Alguém pode acreditar que Deus, o Ser Supremo, daria ordens para que eles, os judeus, matassem todos os povos que fossem derrotados nas guerras, passando tudo o que tivesse sopro pelo fio da espada? Isto está escrito na Bíblia. A orientação de Jesus, no início deste texto, é bem diferente do que consta na Bíblia.
Acontece que não entendemos corretamente o significado da palavra Amar, quando se aplica ao inimigo. Jesus apenas nos convida a perdoar quem nos fez mal ou apela para que não busquemos vingança.
Parece difícil? A maioria das pessoas mantém o inimigo permanentemente em seus pensamentos. Não consegue pensar em nada além da pessoa odiada. Quem odeia mantém-se escravo do inimigo. Faz as refeições, dorme, acorda, trabalha e vive sempre em meio a esse sentimento de rancor, alimentando desejos de vingança. Deixamos o inimigo comandar a nossa vida. Tornamo-nos escravos do odiado.
Perdoar é mais fácil, deixa-nos mais leves, o corpo mais saudável. Por isso a sabedoria de Jesus, libertando-nos dos laços que nos prendem aos inimigos.
Jesus quer apenas que afastemos de nosso coração a mágoa, a infelicidade, o ódio e o desejo de vingança. Por isso Ele aconselhava: Orem pelos que vos ofendem. Pedi a Deus que vos dê forças para superar a ofensa vivida. Pedi também a Deus que vos ofereça chance de ser útil àquele que vos feriu.
Jesus demonstra que a Virtude começa quando somos capazes de sentir, na pessoa do semelhante, seja qual for a sua posição social, racial, cultural, moral ou religiosa, um filho de Deus acima de tudo, ao qual nos compete respeitar e considerar.
Explica Allan Kardec que, “se o amor do próximo constitui o princípio da caridade, amar os inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, porquanto a posse de tal virtude representa uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho. Entretanto, há geralmente equívoco no tocante ao sentido da palavra amar, neste passo. Não pretendeu Jesus, assim falando,  que cada um de nós tenha para com o seu inimigo a ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança; ora, ninguém pode depositar confiança numa pessoa sabendo que esta lhe quer mal; ninguém pode ter para com ela expansões de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa atitude. Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas manifestações de simpatia que existem entre as que comungam nas mesmas ideias. Enfim, ninguém pode sentir, em estar com um inimigo, prazer igual ao que sente na companhia de um amigo. A diversidade na maneira de sentir, nessas duas circunstâncias diferentes, resulta mesmo de uma lei física: a da assimilação e da repulsão dos fluidos. O  pensamento malévolo determina uma corrente fluídica que impressiona penosamente. O pensamento benévolo nos envolve num agradável eflúvio. Daí a diferença das sensações que se experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos não pode, pois, significar que não se  deva estabelecer diferença alguma entre eles e os amigos.  Amar os inimigos não é, portanto, ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contato de um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu bater, ao contato de um amigo. Amar os inimigos  é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições, o mal que nos causem; é não opor nenhum obstáculo à reconciliação com eles; é desejar-lhes o bem e não o mal; é experimentar júbilo em vez de pesar, com o bem que lhes advenha; é socorrê-los, em se apresentando ocasião; é abster-se, quer por palavras, quer por atos, de tudo que os possa prejudicar; é, finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de os humilhar. Quem assim procede preenche as condições  do mandamento Amai os vossos inimigos”.

“Se perdoardes aos homens as faltas que cometerem contra vós, também vosso Pai celestial vos perdoará os pecados”. (Mateus, 6:14)
“Se, portanto, quando fordes depor a vossa oferenda no altar, vos lembrardes de que o vosso irmão tem qualquer coisa contra vós, deixai a vossa dádiva junto ao altar e ide, antes, reconciliar-vos com o vosso irmão; depois, então, voltai a oferecê-la”.(Mateus, 5:23-24)
“Reconciliai-vos o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para que ele não vos entregue ao juiz, o juiz não vos entregue ao ministro da justiça e não sejais metido na prisão”. (Mateus, 5:25)

Allan Kardec, no Cap. X de O Evangelho Segundo o Espiritismo, ensina que “na prática do perdão, como , em geral, na prática do Bem, não há somente um efeito moral: há também um efeito material. A morte, como sabemos, não nos livra dos nossos inimigos; os Espíritos vingativos perseguem, muitas vezes, com seu ódio, no além-túmulo, aqueles contra os quais guardam rancor; donde decorre a falsidade do provérbio que diz: ‘morto o animal, morto o veneno’, quando aplicado ao homem. O Espírito mau espera que o outro, a quem ele quer mal, esteja preso ao seu corpo e, assim, menos livre, para mais facilmente o atormentar, ferir nos seus interesses, ou nas suas mais caras afeições. Nesse fato reside a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo dos que apresentam certa gravidade, quais os da subjugação e possessão. O obsidiado e o possesso são, pois, quase sempre vítimas de uma vingança, cujo motivo se encontra em existência anterior, e à qual o que sofre deu lugar pelo seu proceder. Deus o permite, para os punir do mal que a seu turno praticaram, ou, se tal não ocorreu, por haverem faltado com a indulgência e a caridade, não perdoando.

Comentando a cerca do amor aos inimigos, o Espírito Léon Tolstói diz-nos que, "com a luz que o conceito de reencarnação joga sobre o problema, torna-se mais fácil entender a necessidade de amar aos nossos inimigos para podermos ter a paz e a felicidade que almejamos um dia. Na atualidade, em diferente etapa evolutiva, com a consciência desperta para a  necessidade da regeneração, ansiamos reparar nossos erros, nos reajustar perante a Lei Divina, ajudando nossas vítimas de ontem, algozes de hoje. Importante, contudo, entendermos o significado da palavra amor neste caso. Seria impossível ao ser humano, ainda imperfeito, dedicar a seu inimigo o mesmo amor que dedica aos familiares e aos amigos. Se dissesse que tem o mesmo amor, estaria sendo hipócrita. O que o Cristo pretendia, certamente, é que começássemos por evitar as contendas, passando a nos entender, o que já seria indicativo de progresso. Se conseguirmos não desejar o mal ao inimigo, compreender suas dificuldades, não ficar contente com suas desventuras, estender-lhe a mão em caso de necessidade, e tantas outras coisas, já estaremos mostrando amor ao desafeto. Deus, que é a suprema sabedoria e misericórdia, permite que, na vida espiritual, aqueles que foram prejudicados ou que prejudicaram, em épocas passadas, se reencontrem tentando um reajuste. Após grandes dificuldades, muito esforço e renúncia, conseguem entender a necessidade de se perdoar e resolvem selar um acordo de paz. Isso, porém, não basta. A reparação exige que retornem ao cenário do mundo para recomeçar sob novas bases, tentando acertar. É assim que inimigos renascem juntos numa mesma família para refazerem os laços de afeto danificados e promoverem o crescimento moral e espiritual. Como dificuldades de relacionamento poderão ocorrer, aprenderão pela convivência diária a se suportarem um ao outro e a exercitarem a tolerância, a compreensão, a paciência. Aos poucos, pelos laços familiares, os desafetos vão vencendo a animosidade entre eles, refazendo vínculos e estabelecendo sólidos elos de afeto e amizade. Ao retornarem à espiritualidade, após toda uma existência em comum, como mãe e filho, pai e filha, marido e mulher, irmãos e irmãs, novas imagens estarão sobrepostas às antigas; as da última encarnação serão muito mais vivas e fortes, enquanto as do passado irão diminuindo de intensidade, dessa maneira, criando novos vínculos de afeto duradouro. A inimizade transforma-se em amizade, a desconfiança em confiança, o ódio em amor". (Léon Tolstói Por Ele Mesmo-Médium Célia X. Camargo)



Ensina o Espírito Públio que “o mal é a opção do ignorante, seja ele algoz ou vítima. Daí, como consequência direta da lei do Amor, Jesus aludir com clareza à necessidade de que, em qualquer circunstância, o Amor nos inspire as salutares demonstrações de um estado de elevação que nos torna inatingíveis. Além do mais, o amor que só é exercitado na presença dos que nos são simpáticos, ainda não é capaz de dar a verdadeira demonstração de ser real e perene. Lembremo-nos que a vítima ocupa o honroso lugar daquele que está quitando débitos  e podendo mostrar o quanto possui de amor verdadeiro no próprio coração. Destituir-se desse posto glorioso para chafurdar na lama da maldade quer dizer igualar-se ao agente do Mal, demonstrando a fragilidade de suas próprias defesas e a imprestabilidade do escudo protetor, com a agravante de que o maldoso, em geral, não acredita nas mesmas coisas elevadas que nós dizemos acreditar. Ele, ao menos, não é hipócrita. Por isso, dependendo da nossa reação, o agressor acaba sendo até melhor do que aquele que recebe o mal e se inocula com ele, recusando-se a esquecê-lo”.(Relembrando a Verdade-Espírito Públio, Médium André L. Ruiz)

O Espírito André Luiz traz a explicação do mentor Silas que “a ação do mal pode ser rápida, mas ninguém sabe quanto tempo exigirá o serviço da reação, indispensável ao restabelecimento da harmonia soberana da Vida, quebrada por nossas atitudes contrárias ao Bem...”(Ação e Reação-Espírito André Luiz, Médium Chico Xavier)

Enquanto é Dia...
Na obra “Falou a Vida”, de Cneius e Valerium, psicografia de Marilu M. Carvalho, o primeiro Espírito conta-nos uma interessante história:  “ Desmanchavam-se as colorações variadas do crepúsculo em céu de outono. Cansada do turbulento trabalho matinal que se prolongara por toda a tarde, extremosa dona-de-casa deu por terminada a jornada diária e nada havia restado a fazer. Assim sendo, procurou a paz do jardim para divagar um pouco o pensamento e descansar...
Enquanto cismarento olhar descia pela paisagem em busca da longínqua linha em que céu e terra se unem sob a forma de horizonte, chamou-lhe a atenção  o vulto adelgaçado de dois meninos que desciam correndo a calçada para tomar um veículo situado ali perto.
Na pressa que iam, o primeiro, tomando a dianteira, recebeu violento empurrão do segundo ao chegarem à porta do veículo, indo estatelar-se logo atrás, no chão. Revidou por sua vez aos socos, murros e pontapés, e, assim, devido à algazarra que se seguiu a tamanha confusão que formaram na disputa, nenhum dos dois tomou o ônibus que, cansado de esperar pelo embarque dos dois indisciplinados passageiros, encetou o rumo da viagem sem eles.
A senhora assestou o binóculo de seu olhar sobre os dois concorrentes ao ônibus que já se afastara, a ver como reagiriam ao incidente. Dizia o segundo:
- Você andou muito rápido! Não quis me esperar. É um mau companheiro... Bem feito que perdeu o lugar...  Reagia o primeiro:
- Você foi covarde! Apostamos corrida para ver quem chegava na frente, mas quando eu estava ganhando, você não soube perder e me atirou ao chão... Bem merece ser castigado.
- Isso é que não – gritava o outro menino.
- Fizemos um trato de voltar juntos da escola, e só porque você ia depressa queria chegar primeiro.
- Mas você me bateu! Você me bateu! – gritava o outro, surdo a quaisquer apontamentos.
A verdade é que ali ficaram até a noite feita, e já não iriam chegar cedo em casa porque haviam se desentendido a caminho.
Assim acontece conosco na via pública da vida também, onde vamos seguindo, lado a lado, rumo à construção do Futuro Melhorado.
Toda vez que nos desentendemos na marcha comum, e a agressão ameaça bailar em nossos gestos de irmãos, o caminho fica anuviado de incertezas, e nem sempre acertamos novamente o comboio da dignidade edificante que nos conferiria o prêmio do regresso ao Lar de Cima.
Portamo-nos como crianças em desavenças, sempre que, às dificuldades de relacionamento nos caminhos de volta ao Bem Supremo, apelamos para a força descaridosa na agressão fraterna, seja esta moldada em atos físicos para maltratar, ou simplesmente em palavras insidiosas que nos levem a cólera por estopim aceso aos canaviais íntimos do vizinho. Alastrada a fogueira do ódio, quanto tempo e mão- de-obra não se fazem necessários a que a calma, única portadora de equilíbrio para que possamos discernir onde está nosso real interesse na marcha, nos ajude a chegar onde queríamos?
Meu filho, de todos os métodos para chegar onde queres, depõe como ineficaz e fora de uso, estes: o revide, o ódio, a força bruta, a raiva que desconsidera, pois a planta do Senhor para trazer a verdade a tuas terras não pode ser cuidada sem o carinho da consideração.
Amaina teus rompantes, poda teus impulsos menos sadios, porque são estes que, assassinos, te levam a pensar em agressão que prejudique a qualquer um, amigo ou contrário.
Sabe, e isso com Jesus, que a maneira de plantar o bem para si próprio é cuidar do bem alheio com a mesma paciência, a mesma consideração e amor com que fazemos a coisa para nós mesmos.
Só assim se cultiva o progresso.
E foi o que a senhora pensou, enxugando as mãos molhadas no avental de serviço, enquanto se recolhia: - Que bobagem, essas crianças! Se um tivesse ajudado o outro a subir na viatura com calma, os dois já estariam bem longe, pertinho de casa... Essas crianças!...


Coração Envenenado
No livro “O Céu ao Nosso Alcance”, Richard Simonetti conta o seguinte fato:
- Aquele homem o cumprimentou...
- Eu vi.
- Não responde?
- Para mim ele não existe. Quero que se dane!
- Meu Deus! Que raiva é essa? Alguma desavença grave?
- Muitas. É meu ex-chefe. Aborreceu-me por muito tempo. Exigente demais, com mania de perfeição, sempre a cobrar maior empenho dos subordinados. Tivemos atritos homéricos...
- Não parece má pessoa...
- Quem vê cara não vê coração. Além do mais me perseguia. Quando surgiu a oportunidade de uma promoção preferiu indicar um colega menos qualificado. Foi tremendamente injusto comigo!
- Isso é meio complicado, porquanto a visão de quem nos avalia pode ser diferente da nossa.
- Sim, principalmente quando objetiva favorecer o protegido.
- Não é mais seu subordinado?
- Felizmente, não. Quero distância desse pilantra! Até tremo quando o vejo. Mau caráter!
- Cuidado. Raiva é ácido no coração. Não é melhor esquecer?
- Prefiro morrer envenenado a ensaiar qualquer gesto de boa vontade em favor dessa cobra peçonhenta que tanto me aborreceu! Jamais esquecerei que fui prejudicado em minha carreira por culpa dele.
- Pelo que sei, você é um homem religioso, presta reverência a Deus...
- Claro. Mas isso não tem nada a ver com o assunto de que falamos.
- Está equivocado. Afinal, seu ex-chefe, antes de mais nada, também é filho de Deus...
- E daí?
- Você é homem inteligente. Não terá dificuldade em responder a uma pergunta elementar: É possível reverenciar um pai detestando seu filho?
Folhas ao Vento
Já no livro “Atravessando a Rua”,  Simonetti conta-nos outra história: “A situação da família era terrível... Seis filhos, o mais velho, 12 anos; o menor, nos braços de sua mãe, apenas alguns meses. Pais e filhos cansados, famintos, sem casa, sem dinheiro, sem esperança... Pouca bagagem, em malas surradas, muita amargura no coração.
- Que é isso, minha gente? Vieram da guerra? – pergunta, penalizado, o atendente do albergue onde foram procurar pousada.
- Pois é, seu moço – responde o chefe da família – viemos de Minas. Eu tinha emprego, casa para morar, filharada na escola. Até que não estava mal... Mas, um dia o patrão ficou bravo, gritou comigo e eu mandei ele pro inferno. Quase bati, porque homem nenhum fala assim comigo, não!
Que tristeza!
Toda uma família em penúria, porque o “machão” não levou desaforo para casa...
Muitos casamentos são desfeitos, muita gente vai parar na prisão, pelo mesmo motivo. Um momento de cólera, uma reação de ódio, uma agressão, e temos a existência complicada.
Não há nenhum mérito em responder ao mal com o mal, à ofensa com a violência, à má palavra com o palavrão. Qualquer animal faz isso. Se dermos um pontapé num cachorro, ele nos responderá com uma dentada. O cavalo aprontará um coice...
Só os homens de verdade estão dispostos a compreender, mantendo a calma. Enquanto não treinarmos esse tipo de coragem, jamais seremos donos de nós mesmos.
Estaremos sempre influenciados pelo comportamento das pessoas próximas, como folhas ao vento”.