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segunda-feira, 21 de maio de 2012



Não Separeis o que Deus juntou

Cap. XXII, O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec

Questões 939 e 940, O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec

Também os fariseus vieram ter com ele para o tentarem e lhe disseram: Será permitido a um homem despedir sua mulher, por qualquer motivo? Ele respondeu: Não lestes que aquele que criou o homem desde o princípio os criou macho e fêmea e disse: - Por esta razão, o homem deixará seu pai e sua mãe e se ligará à sua mulher e não farão os dois senão uma só carne? – Assim, já não serão duas, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus juntou.

Mas, por que então retrucaram eles, ordenava Moisés que o marido desse à sua mulher um escrito de separação e a despedisse? – Jesus respondeu: Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés permitiu despedísseis vossas mulheres; mas, no começo não foi assim. Por isso eu vos declaro que aquele que despede sua mulher, a não ser em caso de adultério, e desposa outra, comete adultério; e que aquele que desposa a mulher que outro despediu também comete adultério. (Mateus, 19:3-9)

Diz Allan Kardec que “o divórcio é lei humana que tem por objeto separar legalmente o que já, de fato, está separado. Não é contrário à lei de Deus, pois apenas reforma o que os homens hão feito  e só é aplicável nos casos em que não se levou em conta a lei divina. Mas, nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. Não disse ele: “Foi por causa da dureza dos vossos corações que Moisés permitiu despedísseis vossas mulheres”? Isso significa que, já ao tempo de Moisés, não sendo a afeição mútua a única determinante do casamento, a separação podia tornar-se necessária. Acrescenta, porém: “no princípio, não foi assim”, isto é, na origem da Humanidade, quando os homens ainda não estavam pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho e viviam segundo a lei de Deus, as uniões, derivando da simpatia, e não da vaidade ou da ambição, nenhum ensejo davam ao repúdio. Vai mais longe: especifica o caso em que pode dar-se o repúdio, o de adultério. Ora, não existe adultério onde reina sincera afeição recíproca. É verdade que ele proíbe ao homem desposar a mulher repudiada; mas, cumpre se tenham em vista os costumes e o caráter dos homens daquela época. A lei mosaica, neste caso, prescrevia a lapidação. Querendo abolir um uso bárbaro, precisou de uma penalidade que o substituísse e a encontrou no opróbrio que adviria da proibição de um segundo casamento. Era, de certo modo, uma lei civil substituída por outra lei civil, mas que, como todas as leis dessa natureza, tinha de passar pela prova do tempo.

Na questão 695, de O Livro dos Espíritos, Kardec indaga aos Espíritos Superiores se a união permanente de dois seres seria contrária à Lei Natural. E ouviu deles a seguinte resposta:

"Não. A união de dois seres é um progresso na marcha da Humanidade."

E, na questão 701, acrescentam: "Na poligamia nada mais há que sensualidade."

Na questão 697, Kardec pergunta se a indissolubilidade do casamento pertence a Lei de Deus ou se é apenas uma lei humana. Os Espíritos Superiores responderam:

"A indissolubilidade do casamento é uma lei humana muito contrária a lei natural."

Uniões Antipáticas

Em O Livro dos Espíritos, questão 939, Kardec indaga: (...) Como é, além disso, que a mais viva afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo em ódio?

(...) Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com frequência tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão  se desfaça.

O Professor e Médium Raul Teixeira aborda a questão do casamento por uma ótica interessante:

“Quando se encontram casais que estão juntos há anos, a primeira pergunta que surge é: Como vocês conseguem?

Na verdade, do jeito que as coisas andam, em que os casais se separam com a mesma rapidez com que se unem, é um pouco intrigante se encontrar esses que permanecem juntos, ano após ano. Um homem teve a oportunidade de escrever a respeito, detalhando a sua experiência de homem casado, há 30 anos, com a mesma mulher. Diz ele que o segredo do casamento não é a harmonia eterna. Existem os desentendimentos, as rusgas. A solução é ponderar, se acalmar e partir de novo com a mesma mulher. O segredo, diz ainda, é renovar o casamento e não procurar um casamento novo. Isso exige alguns cuidados, esquecidos no dia-a-dia do casal. De tempos a tempos é preciso voltar a namorar, a cortejar. Fazer uma nova lua-de-mel, sem os filhos para exigirem atenção. Olhar para o outro como um pretendente em potencial. Sair para dançar, para olhar a lua e as estrelas. O que acontece quando a pessoa se divorcia e casa de novo? O mundo muda, o marido muda, o bairro, os amigos. Tudo muda. Então, não é preciso se divorciar. Basta mudar. Convenhamos que ninguém aguenta a mesma mulher, o mesmo marido por 30 anos, com a mesma roupa, o mesmo batom, o mesmo papo. Bastam alguns detalhes para tudo ficar diferente. Troque os móveis da casa. Se não puder comprar novos, então troque os antigos de lugar. Redecore a sua casa. Modifique o ambiente. Plante flores diferentes no jardim. Troque o guarda-roupa, o corte de cabelo, a cor do batom, a maquiagem. Quem se divorcia, normalmente perde peso, em pouco tempo. Verifique se você está acima do peso e decida-se a perder o excesso. Renove-se. Encante o outro, de novo. Reconquiste-o. Não mantenha somente os mesmos amigos. Conquiste outros. Permita-se conhecer novas pessoas. Saiam com outros casais. Mas também a sós. Reaprendam o prazer de conversar, de sussurrar segredos um no ouvido do outro. De rir de pequenas tolices. De tomar sorvete na mesma taça. Partilhar uma pizza. Lambuzarem-se comendo uma fruta da estação. Não realize sempre os mesmos programas, toda quarta, todo domingo. Inove. Surpreenda. Todo cônjuge precisa evoluir, estudar, aprimorar-se, interessar-se por coisas que jamais teria pensado fazer no início do casamento. No trabalho, para crescer profissionalmente, se faz isso. Por que não no casamento, na própria família? Tudo isso quer dizer: descubra o novo homem ou a nova mulher que vive ao seu lado. Em vez de sair por aí, tentando descobrir um novo e interessante par, olhe para o lado e case de novo... com o mesmo cônjuge. A melhor estratégia para o casamento não é manter uma relação estável, sempre igual, mas saber mudar junto. É aprender a importante lição de como crescer e evoluir unidos, apesar das desavenças, dos pequenos desacertos. Tenha certeza de que seus filhos respeitarão sua decisão de se casar de novo... com o mesmo par.

O Espírito André Luiz diz-nos que "a Doutrina Espírita elucida claramente o problema do lar, definindo responsabilidades e entremostrando os remanescentes do trabalho a fazer, segundo os compromissos anteriores em que marido e mulher assinaram contrato de serviço, antes da reencarnação.

Dois espíritos sob o aguilhão do remorso ou tangidos pelas experiências da evolução, ambos portando necessidades e débitos, combinam encontro ou reencontro no matrimônio, convencidos de que união esponsalícia é, sobretudo, programa de obrigações regenerativas.

Reincorporados, porém, na veste física, se deixam embair pelas ilusões de antigos preconceitos da convenção social humana ou pelas hipnoses do desejo e passam ao território da responsabilidade matrimonial, quais sonâmbulos sorridentes, acreditando em felicidade de fantasia como as crianças admitem a solidez dos pequeninos castelos de papelão.

Auxiliemos, na Terra, a compreensão do casamento como sendo um consórcio de realizações e concessões mútuas, cuja falência é preciso evitar.

Divulguemos o princípio da reencarnação e da responsabilidade individual para que os lares formados atendam à missão a que se destinam.

Divórcio, edificação adiada, resto a pagar no balanço do espírito devedor. Isso, geralmente, porque um dos cônjuges, sócio na firma do casamento, veio a esquecer que os direitos na instituição doméstica somam deveres iguais.

Quanto ao divórcio, somos de parecer que não deva ser facilitado ou estimulado entre os homens, porque não existem na Terra uniões conjugais, legalizadas ou não, sem vínculos graves no princípio da responsabilidade assumida em comum.

Mal saídos do regime poligâmico, os homens e as mulheres sofrem-lhe ainda as sugestões animalizantes e, por isso mesmo, nas primeiras dificuldades da tarefa a que foram chamados, costumam desertar-se dos postos de serviço em que a vida os situa, alegando imaginárias incompatibilidades e supostos embaraços, quase sempre atribuíveis ao desregrado narcisismo de que são portadores”. (Espírito André Luiz-Evolução em Dois Mundos)

“Imprescindível que, antes da atitude definitiva para o divórcio, tudo se envide em prol da reconciliação, ainda mais considerando quanto os filhos, que merecem que os pais se imponham em uma união respeitável, de cujo esforço muito dependerá a felicidade deles. Na dissolução dos vínculos matrimoniais, o que padeça a prole, será considerado responsabilidade dos genitores, que se somassem esforço, poderiam ter contribuído com proficiência, através da renúncia pessoal, para a vida dos filhos”. (Espírito Joanna de Angelis-Após a Tempestade)

“Em muitos lances da experiência, é a própria individualidade, na vida do Espírito, antes da reencarnação, que assinala a si mesma o casamento difícil que faceará na estância física, chamando a si o parceiro ou a parceira de existências pretéritas para os ajustes que lhe pacificarão a consciência, à vista de erros perpetrados em outras épocas.

A jovem suave que hoje nos fascina, para a ligação afetiva, em muitos casos será talvez amanhã, a mulher transformada, capaz de impor-nos dificuldades enormes. No entanto, essa mesma jovem foi, no passado, vítima de nós mesmos, quando lhe infringimos os golpes de nossa própria deslealdade, convertendo-a na mulher temperamental ou infiel que nos cabe agora relevar e retificar. O rapaz distinto que atrai presentemente a companheira para os laços da comunhão mais profunda, bastas vezes será provavelmente depois o homem cruel e desorientado, suscetível de constrangê-la a carregar todo um calvário de aflições. Esse mesmo rapaz, porém, foi no pretérito a vítima dele próprio, quando desregrado ou caprichoso, lhes desfigurou, o caráter, metamorfoseando-o no homem vicioso ou fingido que lhe compete tolerar e reeducar”. (Espírito Emmanuel-Vida e Sexo)

Ensina o Professor Herculano Pires que "entre os interesses que podem influir na determinação do casamento figuram também a vaidade e a atração sexual, ambos elementos estranhos ao amor e por isso mesmo de natureza efêmera. Em casos dessa natureza, como em vários outros, a separação se torna inevitável e o divórcio aparece então como a lei civil que serve de remédio à separação dos casais, permitindo aos pares frustrados a reconstrução do lar em bases legítimas com outros cônjuges. (...) Mas quando o lar se formou com base no amor as decepções que podem surgir têm o remédio no próprio amor. Quem ama sabe tolerar e perdoar. As dificuldades serão superadas dia a dia pelo cultivo do amor. Basta que cada cônjuge se lembre de que as frustrações são recíprocas. O mesmo acontece com o artista na realização de sua obra. O ideal está sempre acima do real. Mas o verdadeiro artista sabe disso e procura superar a sua frustração pelo esforço constante de aperfeiçoamento. O cultivo do amor é como o cultivo da arte. E quem romper um casamento de amor, por simples intolerância, não encontrará mais remédio para a sua solidão”.

Martins Peralva sugere a seguinte classificação dos casamentos:

Acidentais: Encontro de almas inferiorizadas, por efeito de atração momentânea, sem qualquer ascendente espiritual.

Provacionais: Reencontro de almas, para reajustes necessários para a evolução de ambos.

Sacrificiais: Reencontro de alma iluminada com alma inferiorizada, com objetivo de redimi-la.

Afins: Reencontro de corações amigos, para consolidação de afetos.

Transcendentes: Almas engrandecidas no Bem e que se buscam para realizações imortais.

Evidentemente, o instituto do matrimônio, sagrado em suas origens, tem reunido no mesmo teto os mais variados tipos evolutivos, o que vem demonstrar que a união, na Terra, funciona, às vezes como meio de consolidação de laços de pura afinidade espiritual, e, noutros casos, em sua maioria, como instrumento de reajuste. Algumas vezes o lar é um santuário, um templo, onde as almas engrandecidas pela legítima compreensão exaltam a glória suprema do amor sublimado. Em sua maioria, porém, os lares são cadinhos purificadores, onde, sob o calor de rudes provas e dolorosos testemunhos, Espíritos frágeis caminham, vagarosamente, na direção do Mais Alto.

Nos casamentos acidentais teremos aquelas pessoas que, defrontando-se um dia, se vêem, se conhecem, se aproximam, surgindo, daí, o enlace acidental, sem qualquer ascendente espiritual. Funcionou, apenas, o livre arbítrio, uma vez que por ele construímos cotidianamente o nosso destino. Num mundo como o nosso, tais casamentos são comuns. Nem laços de simpatia, nem de desagrado. Simplesmente almas que se encontraram, na confluência do caminho, e que, perante as leis humanas, uniram apenas os corpos. Esses casamentos podem determinar o início de futuros encontros, noutras reencarnações.

Quanto aos provacionais, em que duas almas se reencontram em processo de reajustamento, necessário ao crescimento espiritual, esses são os mais frequentes. A maioria dos casamentos obedece, sem nenhuma dúvida, a esse desiderato. Por isso existem tantos lares onde reina a desarmonia, onde impera a desconfiança, onde os conflitos morais se transformam, tantas vezes, em dolorosas  tragédias. Deus uniu-os, através das leis do Mundo, a fim de que, pelo convívio diário, a Lei Maior, da fraternidade, fosse por eles exercida nas lutas comuns. A compreensão evangélica, a boa vontade, a tolerância e a humildade são virtudes que funcionam à maneira de suaves amortecedores. O Espiritismo, pela soma de conhecimentos que espalha, tem sido meio eficiente para que muitos lares, construídos na base da provação, se reajustem e se consolidem, dando, assim, os primeiros passos na direção do Infinito Bem. O Espírita esclarecido sabe que somente ele pagará as suas próprias dívidas. Nenhum amigo espiritual modificará o curso das leis divinas, embora lhe seja possível estender os braços generosos aos que se curvam ante o peso de duras provas, entre as quatro silenciosas paredes de um lar. O espírita esclarecido, homem ou mulher, aprende a renunciar, a benefício de sua paz e do seu reajuste. E o faz, ainda, porque tem a inabalável certeza de que, se fugir hoje ao resgate, voltará, amanhã, na companhia daquele ou daquela de quem procura, agora, afastar-se. A humildade, especialmente, tem um poder extraordinário de harmonização dos lares, convertendo-os, dentro da relatividade que assinala todas as manifestações da vida humana, em legítimos santuários onde o destino dos filhos possa plasmar-se nas exemplificações edificantes.

Agora, os casamentos sacrificiais. Esses reúnem almas possuidoras de virtude e sentimentos opostos. É uma alma esclarecida, ou iluminada, que se propõe ajudar a que se atrasou na jornada ascensional. Como a própria palavra indica, é casamento de sacrifício, para um dos cônjuges. E o sacrificado tanto pode ser a mulher como o homem. Não há regra para isso. Temos visto senhoras delicadíssimas, ternas e virtuosas, que se casam com homens ásperos e grosseirões, de sentimentos abjetos, do mesmo modo que existem homens, que são verdadeiras jóias de bondade e compreensão, consorciados com mulheres de sentimentos inferiorizados. A isso se dá, com inteira propriedade, a denominação de casamentos sacrificiais. Quem ama não pode ser feliz se deixou na retaguarda, torturado e sofrendo, o objeto de sua afeição. Volta, então, e, na qualidade de esposo ou esposa, recebe o viajor retardado, a fim de, com o seu carinho e com a sua luz, estimular-lhe a caminhada. É o vanguardeiro, compassivo, que renuncia aos júbilos cabíveis ao vencedor, e retorna à retaguarda de sofrimento para ajudar e servir. O casamento sacrificial é, pois, em resumo, aquele em que um dos cônjuges se caracteriza pela elevação espiritual, e o outro pela condição evolutiva deficitária. O mais elevado concorda sempre em amparar o desajustado. Assim sendo, a mulher ou o homem que escolhe companhia menos elevada deve “levar a cruz ao calvário”, como se diz geralmente, porque, sem dúvida, se comprometeu na Espiritualidade a ser o cireneu de todas as horas. O recuo, no caso, seria deserção a compromisso assumido. Mais uma vez se evidencia o valor do Evangelho nos lares, como em toda a parte, funcionando à maneira de estimulante da harmonia e construtor do entendimento.

Os casamentos denominados afins, no sentido superior, são os que reúnem almas esclarecidas e que muito se amam. São Espíritos que, pelo matrimônio, no doce reduto do lar, consolidam velhos laços de afeição.

Por fim, temos os casamentos que denominamos de transcendentes. São constituídos por almas engrandecidas no amor fraterno e que se reencontram, no plano físico, para as grandes realizações de interesse geral. A vida desses casais encerra uma finalidade superior. O ideal do Bem enche-lhes as horas e os minutos. O anseio do Belo repleta-lhes as almas de doce ventura, pairando, acima de quaisquer vulgaridades terrestres, acima do campo das emoções inferiores, o amor puro e santo. Todos nós passamos, ou passaremos ainda, segundo for o caso, por toda essa sequência de casamentos: acidentais, provacionais e sacrificiais, até alcançarmos no futuro, sob o sol de um novo dia, a condição de construirmos um lar terreno na base do idealismo transcendental ou da afinidade superior. Enquanto não atingirmos tal situação, o Senhor, pelo seu Evangelho, irá enchendo de paz a nossa vida. E o Espiritismo, abençoada Doutrina, repletará os nossos dias das mais sacrossantas esperanças...

Conta uma lenda árabe que um homem saíra pelo mundo à procura de sua eleita. Trinta anos depois, sem conseguir o seu intento, velho e cansado, retornou à terra natal. Um amigo o admoestou: "Então, tu viajaste trinta anos em vão! Afinal, não encontraste a mulher perfeita!  Ele respondeu-lhe: "Tu te enganas, meu amigo. Eu a encontrei, sim, mas ela também estava à procura  de um homem perfeito..."

terça-feira, 1 de maio de 2012

A Fé Transporta Montanhas


A Fé Transporta Montanhas
Cap. XIX, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec

Quando ele veio ao encontro do povo, um homem se lhe aproximou e, lançando-se de joelhos a seus pés, disse: Senhor, tem piedade do meu filho, que é lunático e sofre muito, pois, cai muitas vezes no fogo e muitas vezes na água. Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não o puderam curar. Jesus respondeu, dizendo: Ó raça incrédula e depravada, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui esse menino. E, tendo Jesus ameaçado o demônio, este saiu do menino, que no mesmo instante ficou são. Os discípulos vieram então ter com Jesus em particular e lhe perguntaram: Por que não pudemos nós outros expulsar esse demônio? Respondeu-lhes Jesus: Por causa da vossa incredulidade. Pois, em verdade vos digo, se tivésseis a fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a esta montanha: Transporta-te daí para ali e ela se transportaria, e nada vos seria impossível. (Mateus, 17: 14-20)
Allan Kardec explica, nesta passagem, que, “no sentido próprio, é certo que a confiança nas suas próprias forças torna o homem capaz de executar coisas materiais, que não consegue fazer quem duvida de si. Aqui, porém, unicamente no sentido moral se devem entender essas palavras. As montanhas que a fé desloca são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em suma, com que se depara da parte dos homens, ainda quando se trate das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas são outras tantas montanhas que barram o caminho a quem trabalha pelo progresso da Humanidade. A fé robusta dá a perseverança, a energia e os recursos que fazem vençam os obstáculos, assim nas pequenas coisas, que nas grandes. Da fé vacilante resultam a incerteza e a hesitação de que se aproveitam os adversários que se têm de combater; essa fé não procura os meios de vencer, porque não acredita que possa vencer
Do ponto de vista religioso, a fé consiste na crença em dogmas especiais, que constituem as diferentes religiões. Todas elas têm seus artigos de fé. Sob esse aspecto, pode a fé ser raciocinada ou cega. Nada examinando, a fé cega aceita, sem verificação, assim o verdadeiro como o falso, e a cada passo se choca com a evidência e a razão.  Levada ao excesso, produz o fanatismo. Em assentando no erro, cedo ou tarde desmorona; somente a fé que se baseia na verdade garante o futuro, porque nada tem a temer do progresso das luzes, dado que o que é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz meridiana.  Cada religião pretende ter a posse exclusiva da verdade; preconizar alguém a fé cega sobre um ponto de crença é confessar-se impotente para demonstrar que está com a razão.
A resistência do incrédulo, devemos convir, muitas vezes provém menos dele do que da maneira por que lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base, base que é a inteligência perfeita daquilo que se deve crer. E, para crer, não basta ver; é preciso, sobretudo, compreender.
A fé cega já não é deste século, tanto assim que o dogma da fé cega, precisamente, é que produz hoje o maior número dos incrédulos, porque ela pretende impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio. É principalmente contra essa fé  que se levanta o incrédulo, e dela é que se pode, com verdade, dizer que não se prescreve. Não admitindo provas, ela deixa no espírito alguma coisa de vago, que dá nascimento à dúvida. A fé raciocinada, por se apoiar nos fatos e na lógica, nenhuma obscuridade deixa. A criatura então crê, porque tem certeza, e ninguém tem certeza senão porque compreendeu. Eis porque não se dobra.
Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade".
Nos dias de hoje, como ensina o Espírito Públio, a ligação com Deus passou a ser um processo negocial em que se busca um sócio para suportar o prejuízo, mas do qual se esquece no momento de contabilizar os lucros do negócio. São passageiros do luxuoso transatlântico dos prazeres fáceis, mas que não aprenderam a nadar na hora do naufrágio. E todos os navios afundam um dia, levando para o fundo a eufórica e descabeçada “maioria das pessoas”. Quando as dúvidas atingem o patamar da fé que liga o ser ao Criador, fragilizando essa ligação e tornando-a tênue ou claudicante, o Homem perde a base de sustentação de seu caminho. Sem tempo para sentir a fonte de todos os recursos e a origem de toda a sua força, as pessoas que assim se permitem ficar, cortam o fio de ligação com a usina de abastecimento acreditando poderem se manter apenas com os parcos recursos de sua bateria pessoal. Em vão, nas horas difíceis, os homens entrarão nas construções de pedra conhecidas como igrejas. Lá não encontrarão Deus nem as respostas que buscam. Iludidas por si mesmas, participarão de rituais cerimoniosos como se, na hora do desespero do afundamento de sua nau, falando algumas palavras mágicas, pudessem aprender a nadar de um minuto para outro. 

Sem terem de onde retirar os elementos que possam equilibrá-los, os seres que se afastam da realidade divina temporariamente bloqueiam o fluxo de forças que existem entre a sua realidade – mero efeito – e a própria causa que o engendrou. Desejando viver sem ligar-se à árvore, o fruto é condenado a deixar de crescer, mirrar, murchar e perecer, antes mesmo de atingir o estágio necessário a converter-se em fruto pleno. Os homens que, se afastando da sua ligação com a árvore da qual são fruto, perdem a seiva que os abastece e, ainda que tenham alguma durabilidade, deixam de receber os influxos superiores de energias puras que os abastecem, condenam-se a estagnarem-se, mirrarem e degenerarem já que não conseguem abastecer-se de si mesmos.
A força da fé não se conseguirá por obra e graça de manifestações improvisadas de desesperos, de arrependimentos, de consciências culpadas, por tragédias, por medo da morte, do lixo dado como falsa caridade, dos textos bíblicos decorados que não entraram no coração. 

É na fé, portanto, na fé compreendida como esse ponto de apoio que dá ao fruto as qualidades potenciais da árvore de que deriva que encontraremos o poder da Divindade residindo no interior de todos nós.
Do mesmo modo que as frutas são doces e as flores são coloridas e perfumadas porque as plantas que as produziram as transformaram e abasteceram de seiva, cor e perfume, as criaturas são igualmente alimentadas pela força soberana do Universo, pela Causa primária de todas as coisas, recebendo a sua força e as suas características de maneira mais intensa à medida que reforcem a sua ligação com essa fonte.
Jesus deu o maior exemplo dentre todos sobre a ligação com o Pai. Não há ação que realize sem antes ligar-se à Fonte das Bênçãos. Meu Pai é maior do que eu – afirmava o Mestre. Sua fé não era uma religião formalista. Era, no dizer exato da palavra, apenas e tão somente uma RELIGAÇÃO com a essência poderosa do Universo.
Aos que desejarem obter os benefícios que a força da fé confere, basta escutar o que Jesus ensina em Lucas, 6, 46 a 48:
“Por que me chamais: Senhor! Senhor!... E não fazeis o que digo? Todo aquele que vem a mim e ouve as minhas palavras e as pratica, vou mostrar-vos a quem se assemelha: É semelhante a um homem que, ao edificar uma casa cavou fundo e colocou o fundamento sobre a rocha. Quando veio uma inundação, a enxurrada embateu contra a casa e não a conseguiu abalar, porque estava edificada sobre a rocha. Porém, aquele que ouve e não pratica, é semelhante a um homem que edificou a casa na superfície, sem fundamento. Embateu-se a enxurrada contra ela, que sem demora cai, e foi grande o estrago dessa casa”. (Jesus no Teu Caminho/Relembrando a Verdade-Espírito Públio e André L. Ruiz)
A Hemorroíssa
Encontramos nos Evangelhos a história de certa mulher, que no Evangelho  de Nicodemos, ou Atos de Pilatos, é denominada de Verônica ou Berenice, aquela que limpou o suor de sangue no rosto de Jesus, quando carregava a cruz. Pois, antes disso, como relatam os evangelistas, esta mulher permanecia há doze anos menstruada, tendo empobrecido com os tratamentos médicos a que se entregara, sem, contudo, curar-se.
Abandonara sua cidade natal, Cesaréia de Felipe, na Decápolis, desiludida, marcada pelo estigma humilhante. Todos a consideravam impura e consequentemente malsinada. Consultara, inutilmente, os sacerdotes, os médicos da região e até do exterior. Fora exorcizada, submetendo-se a rituais sofridos e intermináveis. Acreditavam, e ela mesma acreditava, que seu mal era um castigo de Deus. Não tendo mais esperanças, depois de perder tudo o que possuía, viajou para Cafarnaum, na Palestina, na expectativa de encontrar algum médico ou remédio para o seu mal. Verônica, então, quando ouviu falar de Jesus, acreditou que ele poderia ajudá-la, já que ele curava cegos, leprosos, aleijados e muitas outras doenças. E Jesus seguia em direção da casa de Jairo, o chefe da sinagoga, cuja filha agonizava. Jairo buscara Jesus seguido de uma grande multidão de curiosos. E ela estava no meio da multidão, sem coragem para falar com Jesus, anêmica, constrangida, com medo. Só que não poderia perder a maior oportunidade de sua vida. Tendo em vista as dificuldades da época, em que a mulher era considerada um ser inferior, ela tinha muito receio de aproximar-se de Jesus. Assim, imaginou que, tocando em suas vestes, seria suficiente para obter a tão sonhada cura daquele mal que a importunava há tantos anos. E Jesus disse: - Quem me tocou? E Pedro, respondeu: - Mestre, a multidão nos comprime. Há muita gente ao nosso redor. Como vamos saber quem o tocou? Então, a mulher atemorizada e trêmula, cônscia do que nela se havia operado, pois cessara o fluxo sanguíneo e as dores hemorroidais, veio e prostrou-se diante dele, e declarou-lhe toda a verdade: Fui eu, Senhor, que era desgraçada! Sabia que, em tocando Tuas vestes, poderia recuperar minha saúde. Disse-lhe Jesus: Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz, e sê curada desse teu mal.
Depois de algum tempo, Verônica despediu-se dos parentes, que antes a  detestavam, e passou a seguir Jesus por todos os lugares. Quando limpou o rosto de Jesus na via crucis, ouviu sua voz em seu interior: - Vai em paz! Lembrar-me-ei de ti... Quando iniciou a subida da colina da Caveira, Jesus tomba novamente e diz: - Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos. Dias virão amargos e terríveis, em que clamareis: bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que não geraram, e os peitos que não amamentaram! Clamareis aos montes: caí sobre nós, cobri-nos! Porque, se ao madeiro verde fazem isto que se fará ao seco?
E Verônica  desceu do monte e saiu a servi-Lo. (Marcos, 5: 25-34. Lucas, 23: 27-31)
(Primícias do Reino-Amélia Rodrigues e Divaldo Franco)

O Centurião Romano
Cláudio e Cornélio, filhos de um homem muito rico, viviam em Roma há muitos séculos atrás. Cláudio era poeta e escritor e sonhava com a fama. Seu irmão Cornélio era diferente. Era sensível e preocupava-se com as pessoas e queria tornar-se médico. Por causa de um desentendimento entre os dois irmãos, pois Cláudio havia maltratado um escravo, o pai dos jovens, que tinha preferência por Cláudio, obrigou Cornélio a sair de casa para seguir carreira na Legião de César, o que o levou para regiões distantes. Devido ao seu caráter, Cornélio foi promovido ao posto de Centurião e destacado para servir em Cafarnaum, na Palestina. Certo dia um de seus soldados adoeceu e como não obtivesse melhora da estranha enfermidade que o prostrara, pois, ficara paralítico, além de ter muitas dores, o Centurião lembrou-se de Jesus e foi procurá-lo. Cornélio disse, então, a Jesus que tinha um soldado gravemente enfermo e que fora desenganado pelos médicos, mas que ele, Jesus, poderia curá-lo. Então, Jesus lhe disse que iria mais tarde à sua casa, tendo o Centurião lhe dito que não era digno que Jesus entrasse em sua casa, mas que apenas uma palavra dele, de Jesus, curaria o seu servo. Jesus admirou-se e respondeu-lhe que nunca havia encontrado em Israel tamanha fé e disse-lhe para voltar para casa que seu servo já estava curado. E, efetivamente, isto aconteceu. (Histórias da Vida Eterna-Djalma Santos)
A Medicação pela Fé
A moça abatida, num acesso de tosse, chegara ao Centro Espírita Luiz Gonzaga, em Minas Gerais, com uma receita médica. Estava tuberculosa. Duas hemoptises já haviam surgido como horrível prenúncio.  O doutor indicara remédios, entretanto...
 - Chico, - disse a doente - o médico aconselhou-me a usar esta receita por trinta dias... Mas, não tenho dinheiro. Você poderia arranjar-me uns cobres?  O médium respondeu com boa vontade: - Minha filha, hoje não tenho... E meu pagamento no serviço ainda está longe...
- Que devo fazer? Estou desarvorada...
Chico pensou, pensou e disse-lhe:
- Você peça a nossa Mãe Santíssima socorro e o socorro não lhe faltará. A que horas você deve tomar a medicação?
- De manhã e à noite, respondeu a moça.
- Então, disse o Chico, corte a receita em sessenta pedacinhos. Deixe um copo de água pura na mesa e no momento de usar o remédio, rogue a proteção de Maria Santíssima. Tome um pedacinho da receita com a água abençoada em memória dela e repita isso duas vezes ao dia, no horário determinado. Sem dúvida, pela fé, você terá usado a receita.
A enferma agradeceu e saiu.
Passado um mês, a moça surgiu no Centro Espírita, corada e refeita.
- Oh! É você? Disse o Chico.
- Sim, Chico, sou eu. Pedi socorro à nossa Mãe Santíssima. Engoli os pedacinhos do papel da receita e estou perfeitamente boa.
- Então, minha filha, vamos render graças a Deus. E passaram os dois à oração.
(Lindos Casos de Chico Xavier-Ramiro Gama)