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terça-feira, 30 de outubro de 2012



A Morte Não Existe

“Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (Paulo, I Corintios, 15:55)

Vivemos a vida toda iludidos com nosso corpo, com nossas coisas, sempre lutando para não perdê-las, com medo de sermos roubados, com medo da morte. Há milhares de anos que vivemos do mesmo modo, sendo mal orientados por  religiosos e até por desinteresse nosso mesmo, sempre querendo viver eternamente na carne e, pior, sem nada saber do outro mundo onde iremos morar. Com certeza, ninguém irá morar no cemitério, onde os micróbios desmancham os corpos de carne. Deus, que é Espírito, reservou para seus filhos, Espíritos, algo bem melhor.  Em geral, corremos da morte, achando que ela representa o fim de tudo. Na verdade, o fenômeno que aniquila o corpo físico, ao mesmo tempo libera o nosso Espírito que estava preso, como se estivesse numa gaiola, permitindo-nos retomar a liberdade a que faz jus todo o filho de Deus. A morte é chamada pelo Espiritismo de “desencarnação”, voltando a ter a liberdade de seres espirituais.

Sim, como somos filhos do Criador, não temos nada a temer, pois ele nos empresta tudo para vivermos aqui na Terra por alguns anos, retornando ao Mundo dos Espíritos assim que terminar o nosso prazo de experiências aqui no planeta. Como o Senhor da Vida nos empresta o corpo e tudo que possuímos, temos que devolver algum dia, deixando aqui mesmo tudo o que pertence a este mundo. É importantíssimo que tenhamos esta visão sobre a vida temporária na Terra e a vida eterna, infinita, no Mundo Espiritual. É crucial para nossa saúde que estudemos a Doutrina Espírita, para que obtenhamos as respostas sobre tudo o que diz respeito à reencarnação, sobre a vida no outro mundo e sobre o que Deus espera de nós aqui na Terra, quando, por algum tempo vivemos por aqui. Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, recebeu dos Espíritos Superiores a informação de que Jesus é o modelo e guia da Humanidade. Assim, ao estudarmos o Espiritismo, aprendemos claramente as lições de Jesus, que veio a este planeta para clarear o nosso caminho, ensinando que “toda lei e os profetas estão contidos no amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Jesus deu a maior demonstração de que a vida continua, sendo morto e retornando com o Corpo Espiritual, isto é, com o Perispírito, materializando-se três dias depois de ter sido morto o seu corpo. Ele viveu materializado entre os seus discípulos por cerca de quarenta dias, provando que a morte não existe. Agora, nestes últimos séculos, mais desenvolvidos, podemos compreender o significado de que "há muitas moradas na Casa de meu Pai" e o diálogo com Nicodemos, quando Ele disse que “é necessário nascer de novo para conhecer o reino de Deus”, ou seja, que a reencarnação é Lei Divina, onde todos os Espíritos têm oportunidade de evoluir na matéria, sempre retornando à Pátria Espiritual.


Falta Educação para a Morte
Temos assistido, diariamente, a matérias na televisão sobre mortes de pessoas, tanto em acidentes como por outros motivos, demonstrando um desconhecimento tão elementar desta questão, que chamou-nos a atenção. As reportagens de uma TV local sobre as mortes de pessoas no acidente da TAM que ocorreu há cinco anos, deixou-nos perplexos. Foram alguns dias de cenas do incêndio que ocorreu no prédio da própria empresa, quando o tal avião chocou-se contra ele, vindo a “morrer” cerca de 199 pessoas. Com estas cenas ao fundo, com frases e depoimentos deprimentes dos parentes, a TV, no horário do almoço, com certeza contribuiu para disseminar uma grande amargura e medo entre os seus milhões de telespectadores. E o caso da boate aquela, que todos os meses eles lembram a tragédia? Já não basta a ignorância da realidade do Espírito, abafada por quase dois mil anos pelas religiões comprometidas com o atraso? Hoje,(2013) tendo a Terceira Revelação completado 156 anos, constatamos que ainda é muito fraca a sua divulgação, ao depararmo-nos com tanto desconhecimento sobre a morte e sobre a continuação da vida no Plano Espiritual, que é o Mundo Originário.

Quem primeiro cuidou da Psicologia da Morte e da Educação  para a morte, em nosso tempo, foi Allan Kardec. Ele realizou uma pesquisa psicológica exemplar sobre o fenômeno da morte. Por anos seguidos falou a respeito com os Espíritos dos mortos. Como explica o Prof. Herculano Pires, “as religiões podiam ter prestado um grande serviço à Humanidade se houvessem colocado o problema da morte em termos de naturalidade. Mas, nascidas da magia e amamentadas pela mitologia, só fizeram complicar as coisas. Como disse Victor Hugo “morrer não é morrer, mas apenas mudar-se". A mudança simples de que falou Victor Hugo transformou-se, nas mãos de clérigos e teólogos, numa passagem dantesca pela selva selvaggia da Divina Comédia.

Muito antes de Augusto Comte, os médicos haviam descoberto que os vivos dependiam sempre e cada vez mais da assistência e do governo dos mortos. De toda essa embrulhada resultou o pavor da morte entre os mortais. O pavor maior da morte provém da ideia de solidão e escuridão. Mas os teólogos acharam que isso era pouco e oficializaram as lendas remotas do Inferno, do Purgatório e do Limbo... De tal maneira se aumentaram os motivos do pavor da morte, que ela chegou a significar desonra e vergonha. Para os judeus, a morte se tornou a própria impureza. Os túmulos e os cemitérios foram considerados impuros. Como podiam eles aceitar um Messias que vinha da Galiléia dos Gentios, onde o Palácio de Herodes fora construído sobre terra de cemitérios? Como aceitar esse Messias que morreu na cruz, vencido pelos romanos impuros, que arrancara Lázaro da sepultura e o fizeram seu companheiro nas lides sagradas do messianismo?

Certa ocasião, o Papa Paulo VI declarou que “existe uma vida após a morte, mas não sabemos como ela é”. Isso quer dizer que a própria Igreja nada sabe da morte, a não ser que morremos. A ideia cristã da morte, sustentada e defendida pelas diversas igrejas, é simplesmente aterradora. Os pecadores ao morrer se vêem diante de um Tribunal Divino que os condena a suplícios eternos. Os criminosos broncos, ignorantes e todo o grosso da espécie humana são atirados nas garras de Satanás, um anjo decaído que só não encarna o mal porque não deve ter carne. Mas com dinheiro e a adoração interesseira a Deus, essas almas podem ser perdoadas, de maneira que só para os pobres não há salvação, mas para os ricos o Céu se abre ao impacto dos tédeuns suntuosos, das missas cantadas e das gordas contribuições para a Igreja. Nunca se viu soberano mais venal e tribunal mais injusto. A depreciação da morte gerou o desabrido comércio dos traficantes do perdão e da indulgência divina. O vil dinheiro das roubalheiras e injustiças terrenas consegue furar a Justiça Divina, de maneira que o desprestígio dos mortos chega a máximo da vergonha. A felicidade eterna depende do recheio dos cofres deixados na Terra.

Diante de tudo isso, o conceito da morte se azinhavra (mancha) nas mãos dos cambistas da simonia(tráfico de coisas sagradas), esvazia-se na descrença total, transforma-se no conceito do nada, que Kant definiu como conceito vazio. O morto apodrece enterrado, perdeu a riqueza da vida, virou pasto de vermes e sua misteriosa salvação depende das condições financeiras da família terrena. O morto é um fraco, um falido e um condenado, inteiramente dependente dos vivos na Terra.

O povo não compreende bem todo esse quadro de misérias em que os teólogos envolveram a morte, mas sente o nojo e o medo da morte, introjetados em sua consciência pela farsa dos poderes divinos que o ameaçam desde o berço ao túmulo e ao além-túmulo. Não é de admirar que os pais e as mães, os parentes dos mortos se apavorem e se desesperem diante do fato irremissível da morte.

Jesus ensinou e provou que a morte se resolve na Páscoa da ressurreição, que ninguém morre, que todos temos o corpo espiritual e vivemos no além-túmulo como vivos mais vivos que os encarnados. Paulo de Tarso proclamou que o corpo espiritual é o corpo da ressurreição, mas a permanente imagem do Cristo crucificado, das procissões absurdas do Senhor Morto, heresia clamorosa, as cerimônias da Via-Sacra e as imagens aterradoras do Inferno Cristão, mais impiedoso e brutal do que os Infernos do Paganismo, marcados a fogo na mente humana através de dois milênios, esmagam e envilecem a alma supersticiosa dos homens.

Não é de admirar que os teólogos atuais, divididos em várias correntes de sofistas cristãos moderníssimos, estejam hoje proclamando, com uma alegria leviana de debilóides, a Morte de Deus e o estabelecimento do Cristianismo Ateu. Para esses teólogos, o Cadáver de Deus foi enterrado pelo Louco de Nietsche, criação fantástica e infeliz do pobre filósofo que morreu louco.

O clero cristão, tanto católico como protestante, tanto do Ocidente como do Oriente, perdeu a capacidade de socorrer e consolar os que se desesperam com a morte de pessoas amadas. Seus instrumentos de consolação perderam a eficiência antiga, que se apoiava no obscurantismo das populações  permanentemente ameaçadas pela Ira de Deus.

A Igreja, Mãe da Sabedoria Infusa, recebida do Céu como graça especial concedida aos eleitos, confessa que nada sabe sobre a vida espiritual e só aconselha aos fiéis as práticas antiquadas das rezas e cerimônias pagas, para que os mortos queridos sejam beneficiados no outro Mundo ao tinir das moedas terrenas. O Messias espantou a chicote os animais do Templo que deviam ser comprados para o sacrifício redentor no altar simoníaco e derrubou as mesas dos cambistas, que trocavam no Templo as moedas gregas e romanas pelas moedas sagradas dos magnatas dispenseiros da misericórdia divina. O episódio esclarecedor foi suplantado na mente popular pelo impacto esmagador das ameaças celestiais contra os descrentes, esses rebeldes demoníacos. Em vão o Cristo ensinou que as  moedas impuras de César só valem na Terra. Há dois mil anos essas moedas impuras vêm sendo aceitas por Deus para o resgate das almas condenadas.    Quem pode, em sã consciência, acreditar hoje em dia numa Justiça Divina que funciona com o mesmo combustível da Justiça Terrena? Os sacerdotes foram treinados a falar com voz empostada, melíflua e fingida, para, à semelhança da voz das antigas sereias, embalar o povo nas ilusões de um amor venal e sem piedade. Voz doce e gestos compassivos não conseguem mais, em nossos dias, do que irritar as pessoas de bom senso. O Cristo Consolador foi traído pelos agentes da misericórdia divina que desceu ao banco  das pechinchas, no comércio impuro das consolações fáceis. Os homens preferem jogar no lixo as suas almas, que Deus e o Diabo disputam não se sabe porquê.

Todos morremos e todos ressuscitamos. Por isso não somos mortais, mas imortais.

Mas, a mais difícil tarefa da Educação para a Morte é precisamente a de quebrar esse condicionamento milenar, integrando os homens numa visão mais realista da vida. Os fatos são de todos os tempos e estão ao alcance de todas as criaturas dotadas de bom senso. Hoje, graças à abertura científica produzida pelo avanço acelerado das Ciências, não se pode admitir que pessoas razoavelmente cultas continuem amarradas, como acontece na própria Parapsicologia, ao sincretismo teológico do Tomismo de Tomás de Aquino. (Prof. Herculano Pires-Educação para a Morte)

"Para libertar-se do temor da morte é mister poder encará-la

sob o seu verdadeiro aspecto, isto é, ter penetrado pelo

pensamento no mundo espiritual, fazendo dele uma ideia

tão exata quanto possível" Allan Kardec



sábado, 20 de outubro de 2012


Não se Pode Servir a Deus e a Mamon

Cap. XVI,  O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec

 
                                           Por que não são ricos todos os homens?

Salvação dos Ricos

Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará a outro, ou se prenderá a um e desprezará o outro. Não podeis servir a    Deus e a Mamon simultaneamente. (Lucas, 16:13)

Mamon é um termo derivado da Bíblia e usado para descrever a riqueza material ou a cobiça, não tendo personificação como divindade. Em hebraico significa, literalmente, dinheiro. Assim, Mamon representa a ganância ou a avareza.

Então, aproximou-se dele um mancebo e disse: - Bom mestre, que devo fazer para adquirir a vida eterna?

Jesus: - Por que me chamais bom? Bom só Deus o é. Se queres entrar na Vida, guarda os mandamentos.

- Que mandamentos?

Jesus: - Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não darás testemunho falso, honra a teu pai e a tua mãe e ama a teu próximo como a ti mesmo.

- Tenho guardado todos esses mandamentos. Que é que ainda me falta?

Jesus: - Se queres ser perfeito, vai, vende tudo que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-me.

Ouvindo essas palavras o moço se foi tristonho porque era rico.

Jesus: - Digo-vos em verdade que é bem difícil um rico entrar no Reino dos Céus. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no Reino dos Céus. (Mateus, 19:16 a 24; Lucas, 18:18 a 25; Marcos, 10:17 a 25)

Esta figura audaciosa pode parecer um pouco forçada, porque não se vê a relação  que existe entre um camelo e uma agulha. Isso resulta de que, em hebreu, a mesma palavra se emprega para designar cabo e camelo. Na tradução se lhe deu esta última acepção; é provável que a primeira era a que estava no pensamento de Jesus; ela é, pelo menos, mais natural.  (Nota de Allan Kardec)

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a Terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam. Mas, ajuntai para vós outros tesouros no Céu, onde nem a traça, nem a ferrugem corroem e onde ladrões não escavam nem roubam. Porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. (Mateus, 6: 19-21)

Preservar-se da Avareza

Então, no meio da turba, um homem lhe disse: Mestre, dize a meu irmão que divida comigo a herança que nos tocou. Jesus lhe disse: - Ó homem! Quem me designou para vos julgar, ou para fazer as vossas partilhas? E acrescentou: - Tende o cuidado de preservar-vos de toda a avareza, porquanto, seja qual for a abundância em que o homem se encontre, sua vida não depende dos bens que ele possua.

Disse-lhes a seguir esta parábola: Havia um homem cujas terras tinham produzido extraordinariamente e que se entretinha a pensar consigo mesmo, assim: Que hei de fazer, pois já não tenho lugar onde possa encerrar tudo o que vou colher? Aqui está, disse, o que farei: demolirei os meus celeiros e construirei outros maiores, onde porei toda a minha colheita e todos os meus bens. E direi à minha alma: Minha alma, tens de reserva muitos bens para longos anos; repousa, come, bebe, goza. Mas, Deus, ao mesmo tempo, disse ao homem: - Que insensato és! Esta noite mesmo tomar-te-ão a alma; para que servirá o que amontoaste?

É o que acontece àquele que acumula tesouros para si próprio e que não é rico diante de Deus. (Lucas, 12:13 a 21)

Explica-nos O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, que “se a riqueza  houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, ideia que repugna à razão. É sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É o laço mais forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do Céu os pensamentos. Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão. Mas, do fato de a riqueza tornar difícil a jornada, não se segue que a torne impossível e não possa vir a ser um meio de salvação para o que dela sabe servir-se, como certos venenos podem restituir a saúde se empregados a propósito e com discernimento.

Se a riqueza é causa de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem, que dela abusou como de todos os dons de Deus. Pelo abuso, ele torna pernicioso o que lhe poderia ser de  maior  utilidade. É a consequência do estado de inferioridade do mundo terrestre. Se a riqueza somente males houvesse de produzir, Deus não a teria posto na Terra. Compete ao homem fazê-la produzir o bem. Se não é um elemento direto de progresso moral, é, sem contestação, poderoso elemento de progresso intelectual.

A desigualdade das riquezas é um dos problemas que inutilmente se procurará resolver, desde que se considere apenas a vida atual. A primeira questão que se apresenta é esta:  Por que não são igualmente ricos todos os homens?  Não o são por uma razão muito simples: por não serem igualmente inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir nem sóbrios e previdentes para conservar. É, aliás, ponto matematicamente demonstrado que a riqueza, repartida com igualdade, a cada um daria uma parcela mínima e insuficiente; que, supondo efetuada essa repartição, o equilíbrio em pouco tempo estaria desfeito, pela diversidade dos caracteres e das aptidões; que, supondo-a possível e durável, tendo cada um somente com que viver, o resultado seria o aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e para o bem-estar da Humanidade; que, admitido desse ela a cada um o necessário, já não haveria o aguilhão que impele os homens às grandes descobertas e aos empreendimentos úteis. Se Deus a concentra em certos pontos é para que daí se expanda em quantidade suficiente de acordo com as necessidades.”

O Espírito Públio ensina que o Reino de Deus é concedido àqueles que têm a capacidade de escolher as coisas divinas acima daquelas que lhes possibilitem os prazeres e o desfrute das vantagens terrenas. E entre as coisas mais difíceis para os que não entendem a sua destinação espiritual está o desprender-se dos bens que lhe dão uma falsa convicção de poder, de superioridade, de importância.

Os espíritos mesquinhos buscam viver na senda das aparências das quais retiram o prazer efêmero de se sentirem acima  dos demais pelos bens com que se fantasiam, pelas roupas e carros nos quais desfilam sua insignificância, pela imponência suntuosa e extravagante com que a sua miséria pessoal se satisfaz em mostrar-se aos outros, sentindo infantil êxtase.

No entanto, toda a vivência nessa atmosfera de mentiras e indiferenças, demonstra a quantidade de egoísmo que se inoculou no íntimo de cada um a dizer, em seu nome, o tamanho do lodo que se instalou em si próprio. Em face dessa condição, na aproximação fatal do momento de despedir-se de toda a falsa encenação na qual investiu os seus recursos, o despreparado ser humano tenta garantir para si a possibilidade de invadir o paraíso como um clandestino viajante, um ladrão solerte, lançando mão de recursos que pareciam ter-lhe pertencido como forma de barganhar no momento do acerto de contas, na alfândega da Verdade.

Nessa hora que espera por todos, entenderemos o que Jesus pretendeu dizer quando, profundamente, afirmou que não se pode servir a dois senhores.

O apego é o câncer dos materialistas perante a vida espiritual. Fere-os terrivelmente e os consome em dores e decepções por longas décadas, desequilibrando-lhes a mente e lançando-os nos abismos escuros, sob o domínio de trevosos espíritos que, ameaçadores, ironizarão  o seu estado de frágeis caniços vergados ao peso da própria ilusão. Escutarão as acusações daqueles que humilharam, serão objeto de chacota dos que, do plano espiritual inferior, observavam os passos altivos que seus corpos pisavam sobre a Terra, ignorando os demais, orgulhosamente. Que será deles, agora, despidos de tudo aquilo que lhes servia de escudo à personalidade débil de criança crescida? Onde os seus carros, suas contas, seus recursos, seus títulos, seus cargos, seus haveres?

E como no Reino de Deus não existe outro cartório a não ser aquele que reconhece os valores do Bem e da Verdade, os que chegam do mundo tendo desperdiçado as oportunidades de aquisição de tais valores, são miseráveis espectros, relegados ao vazio de si próprios, perdidos nas desilusões  a que foram conduzidos pelo próprio orgulho que não lhes servirá para nada diante das entidades perseguidoras que os aguardam.

Aprender a desprender-se de tudo, todos os dias na Terra, não apenas nos momentos cruciais em que a morte vem avisar que o tempo das aquisições nobres acabou, significa exercitar em si os testemunhos reais de limpeza que podem garantir àquele que renuncia ao apego terreno, o ingresso no Palácio do Espírito.

Escolher a quem servir é sinal de sabedoria quando a escolha recai na abdicação ante as vantagens transitórias para enaltecer-se, apenas, os valores do espírito. Daí, não estar o Céu interditado aos ricos da matéria. Em geral, são os ricos da matéria que não estão interessados em candidatarem-se ao Céu, pagando o preço da passagem para o paraíso por acharem-no muito elevado, já que significa desprendimento e renúncia de tudo aquilo a que eles se apegam.

Assim, na hora do testemunho a que todos seremos chamados, na hora em que a nossa embarcação da vida naufraga, quem se apega ao ouro do mundo afunda, afunda juntamente com o peso daquilo a que se agarrou na hora do naufrágio.

Quem escolhe agarrar-se à palha pobre, ao pedaço humilde de madeira, no momento em que seu barco soçobrar, esse flutuará.


O Mancebo Rico

Interessante o que conta Humberto de Campos sobre alguns detalhes do fato narrado no Evangelho a respeito do “moço rico”. Em reunião no Mundo Espiritual, contou-lhes Simão, sábio israelita, que “Efraim, filho de Bunam, era um chefe prestigioso dos fariseus, considerado cabeça dos hilelitas, que, ao tempo do Senhor, eram francamente mais liberais e mais instruídos que os partidários do Rabi Schammai, fanáticos e formalistas. Judeu profundamente culto, Efraim, aos quarenta de idade, já se fizera autoridade máxima dos herdeiros espirituais de Hilel, o admirável doutor das Sete Regras... Excessivamente rico, dispunha não somente de valiosas terras cultivadas e de formoso palácio residencial em Jericó, onde sustentava largo prestígio, mas também de casas diversas em Jerusalém, vinhedos e campos de cevada, rebanhos e negócios importantes na Síria. Entretanto, não era só isso. Era o depositário dos recursos amoedados de companheiros  numerosos. Todo o fariseu hilelita que se lhe vinculasse à amizade, hipotecava-lhe confiança e, com isso, os próprios bens. Transformara-se-lhe a fortuna pessoal, desse modo, em extensa formação bancária, recolhendo depósitos vultosos e pagando juros compensadores. No centro da organização, cujos interesses financeiros se expandiam, constantes, era ele, embora relativamente moço, um oráculo e um amigo... Devotado leitor de Mischna e apaixonado pelas doutrinas  do antigo orientador que tudo fizera por desentranhar o espírito da letra, na interpretação das Escrituras, Efraim ouviu, com imensa simpatia as notícias do Reino de Deus, de que Jesus se revelava portador. Assinalando o ódio gratuito com que os fariseus rigorosos investiam contra o Mestre, mais se lhe exacerbou o desejo de um contato direto. O Mestre nazareno falava de amor, concórdia, humildade, tolerância. Operava maravilhas. Trazia sinais do Céu, no alívio ao sofrimento humano. Não seria  ele, Jesus, o mensageiro da suprema união? Desde muito jovem, sonhava Efraim com a aliança de todas as crenças do povo de Israel. Mantinha habitualmente conversações pacíficas com saduceus amigos, bem colocados no Sinédrio, buscando a suspirada conciliação, sem resultados. De entendimento seguro com os schammaitas, desistira. Fatigara-se de intrigas e sarcasmos. Diligenciara colher os pontos de vista dos nazarenos e samaritanos, conhecidos por opiniões menos estreitas, ouvira compatrícios mentalmente marcados pelas inovações de credos estrangeiros, quais os que se mostravam em ativa correspondência com a Grécia e com o Egito, mas tudo debalde... Controvérsias entrechocavam-se, quais farpas afogueadas, incentivando perseguições... Demandara retiro deleitoso de essênios, em cuja intimidade repousara, durante alguns dias, anotando, encantado, várias referências, em derredor dos ensinamentos do Cristo; no entanto, mesmo aí, no seio da coletividade consagrada à comunhão de bens, no serviço da agricultura, encontrara antagonistas intransigentes, que não vacilavam no escárnio sobre os profitentes de outras convicções... A pouco e pouco, amadureceu o projeto de ir em pessoa ao encontro de Jesus, o fascinante condutor de multidões, a fim de expor-lhe o magnífico projeto. Reunir, enfim, os descendentes das doze tribos, eliminar para sempre as discussões e estabelecer a solidariedade real... Assim pensando, ao sabê-lo em atividade, além do Jordão, Efraim arrancou-se do lar, tentando surpreendê-lo. Após algum tempo, achou-o entre homens cansados e tristes, e, ao fita-lo, enterneceu-se-lhe o coração... Como que tocado de luz invisível, olhou para si mesmo e envergonhou-se das jóias que trazia, conquanto adotasse, naquela hora, a indumentária que lhe era comumente mais simples. Tomado de funda emotividade, receava agora a almejada entrevista. Sentia-se inibido, pequeno de espírito. Sofreava, a custo, as próprias lágrimas... Sim. Concluía consigo mesmo, dirigir-se-ia ao Mestre das Boas Novas, na feição de aprendiz, ocultaria a própria grandeza individual... Magnetizado, por fim, pelo sereno olhar de Jesus, dirigiu-se até ele e perguntou:

- Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Fugindo à lisonja, respondeu o Cristo:

- Por que me chamas bom? Não há bom senão um que é Deus. Mas, se queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos.

- Quais? – tornou Efraim, preocupado. E Jesus enumerou alguns dos antigos preceitos de Moisés:

- Amarás a Deus sobre todas as coisas; não matarás; não cometerás adultério; não furtarás; não pronunciarás falso testemunho; honrarás teus pais; amarás o próximo como a ti mesmo...

Efraim, que não se esquecia da própria condição de príncipe da cultura e da finança farisaicas, ajuntou, sorrindo:

- Tudo isso tenho observado desde a minha juventude.

O Mestre, no entanto, fixou nele os olhos lúcidos, como a desvendar-lhe o âmago da alma, e considerou:

- Algo te falta, ainda... Se queres aperfeiçoar-te, vai, vende tudo o que tens, tudo entregando aos pobres, e terás um tesouro nos Céus... Feito isso, vem e segue-me.

O poderoso dirigente dos fariseus, contudo, ao ouvir essas palavras, recordou subitamente as enormes riquezas que possuía e retirou-se muito triste... Veridiano, um amigo que nos partilhava os estudos, indagou, logo que o relator deu a narrativa por terminada:

- Não será essa a história do mancebo rico, mencionada no Evangelho?

Simão esboçou largo sorriso e informou:

- Sem mais, nem menos...

E assinalando-nos a surpresa, concluiu, sem que nos fosse possível aduzir, depois, qualquer comentário:

- A fusão dos agrupamentos religiosos no mundo é assunto muito velho. É aconselhada com ardor, aqui e ali; entretanto, quando se fala em esvaziar a bolsa, em favor dos necessitados, para que o amor puro garanta a construção do Reino de Deus, nas forças do espírito, quase todos os patronos da apregoada união se afastam muito tristes...” (Contos Desta e Doutra Vida-Humberto de Campos-C. Xavier)

A Parábola do Rico

Na pequena assembleia espiritual, estudávamos a Parábola do Rico. Alguns intelectuais, brilhantes no mundo, inclinavam-se comovidos ante a necessidade de penetrarem a luz dos capítulos simples do Evangelista. Na cátedra das lições costumeiras, a figura de Pedro Richard nos acompanhava com atenção generosa e sincera. O quadro não era muito diferente das circunstâncias em que se poderia realizar sobre a Terra. A esfera espiritual próxima do planeta é uma figura de transição, em que o gosto terrestre tem quase absoluta predominância. O amplo recinto oferecia o aspecto de um parlamento singelo e acolhedor e, como ponto central, aquele velhinho, amigo de Ismael e de Jesus, com os cabelos nevados, parecendo feitos com a luz prateada das mais dolorosas experiências, ensinava o sentido oculto das preciosas lições do Cristo.

- Afinal, exclama um dos meus amigos, existem realmente os grandes usurários e os ricos infelizes do mundo. São os dilapidadores dos bens coletivos, porque a movimentação do dinheiro poderia incentivar o trabalho, atenuando as dificuldades dos mais infortunados.

- Entretanto, atalha um dos presentes, temos as fortunas dos grandes beneméritos da Humanidade. Um Rockefeller, um Carnegie, que estimulavam as grandes iniciativas, em favor do bem público, não serão ricos amados de Deus? E os Henry Ford, que transformam os pântanos em parques industriais, onde milhares de criaturas ganham o pão da vida honestamente, não merecem o respeito amoroso das multidões? A apreciação sobre os ricos da Terra prosseguia animada, quando alguém se lembrou de submeter a Richard o assunto, em sua feição substancial. O generoso velhinho, no entanto, replicou judiciosamente:

- Antes de tudo, só Deus pode julgar em definitivo as suas criaturas; mas, como considero o planeta terrestre uma abençoada escola de dor que conduz à alegria e de trabalho que encaminha para a felicidade com Jesus, devo assinalar que, na carne, não conheço senão Espíritos cheios de débitos pesados, com as mais vastas obrigações, perante a obra de Deus, que é o país infinito das almas. Quem será o Senhor das riquezas senão o próprio Pai que criou o Universo? Onde estão os bancos infalíveis, ou os milionários que possam dispor eternamente dos bens financeiros que lhes são confiados? As expressões cambiais do mundo são convenções que outras convenções modificam. Basta, às vezes, um sopro leve das marés sociais para que todos os quadros da riqueza humana se transformem. Tenho de mim para comigo que, no mundo, o dinheiro a gastar, como a dívida financeira a resgatar são também oportunidades que o Senhor de Todas as Coisas nos oferece, para que sejamos dignos dele. O crédito exige a virtude da ponderação com a bondade esclarecida e o débito reclama a virtude da paciência com o amor ao trabalho.

A estas palavras justas, que nos conduziam a um campo de novas especulações sentimentais, um dos nossos irmãos de esforço, antigo socialista extremado na Terra, entusiasmando-se, talvez em excesso, com as elucidações do generoso mentor, exclamou efusivamente:

- Muito bem! Sempre encontrei no capital um fantasma para a felicidade humana. Pedro Richard endereçou-lhe o olhar, cheio de mansuetude, e explicou com bondade:

- Quem te afirmou que o capital no mundo é um erro? E depois de uma pausa, dando a conhecer que desejava acentuar suas palavras, disse:

- Podemos assinalar a dedo os raríssimos homens da Terra que conseguem trabalhar sem o aguilhão. O capital será esse aguilhão até que as criaturas entendam o divino prazer de servir. Para os mais abastados, ele tem constituído a preocupação bendita da responsabilidade, e para a generalidade dos homens, o estímulo ao trabalho. O capital é um recurso de sofrimento purificador, não somente para os que o possuem, mas para quantos se esforçam pelo obter. É o meio através do qual o amor de Deus opera sobre toda a estruturação da vida material no globo; sem sua influência, as expressões evolutivas do mundo deixariam a desejar, mesmo porque os Espíritos encarnados estariam longe de compreender os valores legítimos da vida, sem a verdadeira concepção da dignidade do trabalho. O nosso amigo quedou-se em meditação. Aqueles esclarecimentos generosos e simples nos surpreendiam profundamente.

O mentor benévolo e sábio continuou as suas elucidações evangélicas. Explicações desconhecidas e inesperadas surgiam de seus lábios, derramando-se em nossos espíritos, como jatos de luz. Eram novas claridades sobre a figura incompreendida e luminosa do Cristo, revelações de sentimentos que nos conduziam ao máximo de admiração. Grande número de literatos desencarnados no Brasil, filiados às mais diversas escolas, escutavam-lhe os conceitos simples e profundos. Foi então que, ao fim dos estudos, e nas derradeiras observações, um velho conhecedor das letras evangélicas adiantou-se para o velhinho bom, interrogando:

- Richard, as tuas explicações são judiciosas e derramam novas claridades em nosso íntimo. Mas, sempre ponderei uma questão de essencial interesse, nessa parábola do Evangelho. Por que motivo o santificador Espírito de Abraão, personificando a Providência Divina junto  de Lázaro redimido, não atendeu às súplicas do Rico desventurado? Não era este também um filho de Deus? Observando os teus esclarecimentos de agora, sinto esta interrogação cada vez mais forte em minha alma, porque, afinal, o homem rico no mundo pode ser, muitas vezes, uma criatura indigente na aspereza das provas. Como esclarecer esse problema que nos induz a supor certa insensibilidade nas almas gloriosas que já se redimiram das vicissitudes da existência material?

O esclarecido comentador da palavra de Jesus replicou com veemência e brandura:

- Insensibilidade nos mensageiros do bem? Esse conceito nasce da nossa deficiência de verdadeira compreensão. Abraão e Lázaro viram nos sofrimentos do Rico a misericórdia inesgotável do Pai Celestial que, dos nossos erros mais profundos, sabe extrair a água amargosa que nos há de curar o coração. Ambos compreenderam que seria contrariar os desígnios divinos levar ao irmão torturado uma água mentirosa que lhe não mataria a sede espiritual. Quanto ao mais, que pedia o Rico ao Espírito generoso de Abraão? Rogava-lhe que Lázaro voltasse ao mundo para dar a seus pais, a sua mulher, a seus filhos e irmãos as verdades de Deus, a fim de que se salvassem. Como não se lembrou de pedir a difusão dessas mesmas verdades, entre todas as criaturas? Por que razão somente pensou nos seus amados pelo sangue, quando todos os homens, nossos irmãos, têm necessidade da paz de Deus, que é a água viva da redenção? A solicitação do Rico é muito semelhante à maioria das súplicas que partem dos caminhos escuros da Terra, filhas do egoísmo ambicioso ou do malfadado espírito de preferência das criaturas, orações que nunca chegam a Deus, por se apagarem no mesmo círculo de sombra e ignorância em que foram geradas pela insensatez dos homens indiferentes!... O nosso amigo religioso recebera também a sua lição. As elucidações evangélicas do dia estavam terminadas.

No recanto silencioso, a que me recolho com as heranças tristes da Terra, intensifiquei as minhas reflexões sobre a grandeza desconhecida do Cristo e, contemplando as perspectivas angustiosas dos quadros sociais da existência terrestre, comecei a meditar, com mais interesse, na profunda Parábola do Rico. (Pontos e Contos-Humberto de Campos-C. Xavier)