Justiça Divina
Cap. VII, de O Céu e o Inferno
Cap. V de O Evangelho Segundo o
Espiritismo
Questões 132, 258 a 273, 398, 399,
998, de O Livro dos Espíritos
Muitas pessoas têm
tragédias pessoais, familiares ou de conhecidos a lamentar. Afora isto, todos
os dias pipocam nos noticiários inúmeros eventos trágicos, individuais e
coletivos, provenientes de fenômenos naturais, acidentais, bem como de atos de
violência, chocando a todos nós, levando-nos a indagar o porquê disso tudo, ou
onde está Deus que permite que tal ocorra. E aqui ainda não falamos dos que já
nascem com defeitos físicos e problemas mentais.
Quando Jesus disse que
seríamos bem-aventurados ao passarmos pelos grandes sofrimentos, deu-nos uma
orientação para que pudéssemos compreender que tudo tem sentido em nossas vidas,
isto é, tudo tem um motivo, uma causa. Como explica Allan Kardec, desde que
admitamos a existência de Deus, não podemos concebê-lo sem o infinito das
perfeições. Deus não age com capricho, pois, é soberanamente bom e justo. Só
podemos concluir que todos os nossos sofrimentos promanam de uma causa e, sendo
Deus justo, justa há de ser essa causa.
A partir daí, ao
compreendermos que em algum momento de nossas vidas, na vida atual ou nas vidas
anteriores, iniciamos a gerar as causas para todos os sofrimentos do presente,
percebemos que tudo tem uma explicação lógica, condizente com a sabedoria do
nosso Criador.
Quando atingimos este
nível de entendimento, a Doutrina Espírita torna-se para nós uma imensa luz
clareando os nossos caminhos. À medida em que adentramos aos conhecimentos
Espíritas, vemos que a reencarnação é imprescindível para a compreensão de
todos os acontecimentos que nos envolvem aqui na Terra.
Em “O Evangelho
Segundo o Espiritismo”, explica Allan Kardec: - “De duas espécies são as vicissitudes da vida, ou, se preferirem,
promanam de duas fontes bem diferentes, que importa distinguir. Umas têm sua
causa na vida presente; outras, fora desta vida.” “Os sofrimentos devidos a
causas anteriores à existência presente, como os que se originam de culpas
atuais, são muitas vezes a consequência da falta cometida, isto é, o homem,
pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofrer aos
outros.” “Não há crer, no entanto, que todo o sofrimento suportado neste mundo
denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas
buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso.”
Disseram os Espíritos
Superiores a Allan Kardec, em “O Livro dos Espíritos”, que a reencarnação está baseada na justiça e
na revelação. E Kardec comenta que “todos os Espíritos tendem à
perfeição e Deus lhes fornece os meios
pelas provas da vida corpórea, mas, em sua justiça, lhes faculta realizar, em
novas existências o que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova.”
Quando Allan Kardec perguntou
aos Benfeitores Espirituais, na questão 132, sobre qual seria o objetivo da encarnação dos Espíritos, eles
responderam que “Deus lhes impõe a
encarnação com o objetivo de fazê-los chegar à perfeição. Para alguns é uma
expiação, para outros é uma missão.”
Na questão 399, Kardec
comenta: “As vicissitudes da
vida corporal são, ao mesmo tempo, uma expiação pelas faltas do passado e
provas para o futuro. Elas nos depuram e nos elevam segundo as suportemos com
resignação e sem murmurar. A natureza das vicissitudes e das provas que
suportamos pode, também, nos esclarecer sobre o que fomos e o que fizemos, como
neste mundo julgamos os fatos de um culpado pelos castigos que lhe inflinge a
lei. Assim, alguém será castigado no seu orgulho pela humilhação de uma
existência subalterna; o mau rico e o avaro, pela miséria; o que foi duro para
os outros, pela dureza que suportará; o tirano, pela escravidão; o mau filho,
pela ingratidão dos seus filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado, etc.”
Diz o Espírito Paulo,
Apóstolo, em comunicação para Kardec, em “O Livro dos Espíritos”, que, “gravitar
para a unidade divina, tal é o destino da Humanidade. Para alcançá-lo, três
coisas são necessárias: a justiça, o amor e a ciência; três coisas lhe são
opostas e contrárias: a ignorância, o ódio e a injustiça.”
No livro “O Céu e o
Inferno”, o Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, afirma que, “malgrado a diversidade dos gêneros
e dos graus de sofrimento dos Espíritos imperfeitos, o código penal da vida
futura pode se resumir nestes três princípios:
- O sofrimento está ligado à imperfeição.
- Toda imperfeição e toda falta que lhe é consequente
carrega consigo o seu próprio castigo, por suas consequências naturais e
inevitáveis, como a doença é a consequência dos excessos, o tédio a da
ociosidade, sem que haja uma condenação especial para cada falta e cada
indivíduo.
- Todo homem, podendo se desfazer das suas imperfeições,
por efeito da sua vontade, pode se poupar dos males que são as suas
consequências, e assegurar a sua felicidade futura.
Tal é a lei da Justiça Divina: a cada um segundo as suas
obras, no Céu como na Terra.”
Quando esteve aqui na
Terra, Jesus, além de divulgar as suas ideias que estão nos Evangelhos, agora
explicados racionalmente pela Doutrina Espírita, em vários momentos aprofundou
os seus ensinos com seus seguidores e muitas pessoas em particular. É por este
motivo que o apóstolo João escreveu que tudo o que Ele fez “não caberia no
mundo”. Na noite em que o senador fariseu Nicodemos o procurou, conforme consta
do Evangelho de João, cap. III, v. de 1 a 12, a Humanidade recebeu dele a
grandiosa lição de que “é necessário nascer de novo para conhecer o reino de Deus”,
isto é, Jesus havia proclamado para sempre a Lei da Reencarnação, como nos diz
o Espírito Humberto de Campos, no livro “Boa Nova”.
Após Nicodemos
retirar-se, profundamente surpreendido, Jesus explicou a André e a Tiago, que também
ficaram perplexos, dizendo-lhes: - Por que tamanha admiração, em face destas verdades? As árvores não
renascem depois de podadas? Com respeito aos homens, o processo é diferente,
mas o espírito de renovação é sempre o
mesmo. O corpo é uma veste. O homem é seu dono. Toda roupagem material acaba
rota, porém, o homem, que é filho de Deus, encontra sempre em seu amor os elementos
necessários à mudança do vestuário. A morte do corpo é essa mudança
indispensável, porque a alma caminhará sempre, através de outras experiências
até que consiga a imprescindível provisão de luz para a estrada definitiva no Reino de Deus, com toda a perfeição
conquistada ao longo dos rudes caminhos. Então,
André perguntou-lhe: - Mestre, já que o corpo é como que a roupa
material das almas, por que não somos todos iguais no mundo? Vejo belos jovens,
junto a aleijados e paralíticos...
- Acaso
não tenho ensinado, disse Jesus, que tem de chorar todo aquele que se
transforma em instrumento de escândalo? Cada alma conduz consigo mesma o
inferno ou o céu que edificou no âmago da consciência. Seria justo conceder-se
uma segunda veste mais perfeita e mais bela ao Espírito rebelde que estragou a
primeira? Que diríamos da sabedoria de Nosso Pai, se facultasse as
possibilidades mais preciosas aos que as utilizaram na véspera para o roubo, o
assassínio, a destruição? Os que abusaram da túnica da riqueza vestirão depois
as dos fâmulos e escravos mais humildes, como as mãos que feriram podem vir a
ser cortadas.
- Senhor, compreendo
agora o mecanismo do resgate, murmurou Tiago. Mas, observo que, desse modo, o
mundo precisará sempre do clima do escândalo e do sofrimento, desde que o
devedor, para saldar seu débito, não poderá fazê-lo sem que outro lhe tome o
lugar com a mesma dívida.
Jesus, então,
perguntou:
- Dentro
da lei de Moisés, como se verifica o processo da redenção?
Tiago respondeu: -
Também está escrito que o homem pagará “olho por olho, dente por dente”.
- Também
tu, Tiago estás procedendo como Nicodemos,
replicou Jesus. Como todos os homens,
aliás, tens raciocinado, mas não tens sentido. Ainda não ponderaste, talvez,
que o primeiro mandamento da lei é uma determinação de amor. Acima do “não
adulterarás”, do “não cobiçarás”, está o “amar a Deus sobre todas as coisas, de
todo o coração e de todo o entendimento”. Como poderá alguém amar o Pai,
aborrecendo-lhe a obra? Contudo, não estranho a exiguidade de visão espiritual
com que examinaste o texto dos profetas. Todas as criaturas hão feito o mesmo.
Investigando as revelações do céu com o egoísmo que lhes é próprio, organizaram
a justiça como o edifício mais alto do idealismo humano. E, entretanto, coloco
o amor acima da justiça do mundo e tenho ensinado que só ele cobre a multidão
dos pecados. Se nos prendemos à lei de
talião, somos obrigados a reconhecer que onde existe um assassino haverá, mais
tarde, um homem que necessita ser assassinado; com a lei do amor, porém,
compreendemos que o verdugo e a vítima são dois irmãos, filhos de um mesmo Pai.
Basta que ambos sintam isso para que a fraternidade divina afaste os fantasmas
do escândalo e do sofrimento.
Abelhas
O Espírito Hilário
Silva relata que, no ano de 1769, Maria Amélia, planejando eliminar sua prima
Tereza Cristina para que ela não roubasse o seu noivo, levou-a para um passeio
a cavalo às margens do rio, onde se encontravam abelhas mortíferas. Ao chegar
ao local, disparou a arma em direção às patas do cavalo da prima e, em razão
disso, o animal empinou, fazendo Tereza cair no chão com um grito de dor. Ao
ouvir o zumbido das abelhas, Maria Amélia afugentou o cavalo de Tereza
Cristina, afastando-se rapidamente, pois sua intenção era que as abelhas atacassem
a prima.
Quando o cadáver de
Tereza Cristina foi encontrado quase disforme, pareceu um acidente, pois o tiro
não fora ouvido e todos acreditavam que Maria Amélia havia escapado “por
milagre”. Porém, duzentos anos depois, o Espírito Maria Amélia, em uma nova
reencarnação, teve morte idêntica à de sua prima Tereza Cristina. Isso você
fica sabendo através das notícias dos jornais da cidade mineira de Uberlância,
em 1969. Com a manchete: “Abelhas voltam a atacar – moça morta em piquenique”,
eles informam que abelhas atacaram um grupo de moças reunidas quando lanchavam
às margens de um riacho, e que uma delas, a mais atingida pelas abelhas
mortíferas, faleceu em um dos hospitais da cidade.
É claro que a jovem
que morreu era a reencarnação do Espírito Maria Amélia, assassina da prima.
Embora ela não tivesse acertado contas com a justiça humana naquela encarnação
de 1769, acertou com a Justiça Divina em 1969, duzentos anos depois, sem que
fosse preciso outra pessoa matá-la. Conforme Jesus: “A cada um será dado segundo
suas obras”. (Histórias
da Vida, Espírito Hilário Silva-Antonio B. Filho)
O Merecimento
Conta-nos o Espírito
Hilário Silva que Saturnino Pereira era
francamente dos melhores homens. Amoroso mordomo familiar. Companheiro dos
humildes. A caridade em pessoa. Onde houvesse dor a consolar, aí estava de
plantão. Não só isso. No trabalho, era o amigo fiel do horário e do otimismo.
Nas maiores dificuldades, era um sorriso generoso, parecendo raio de sol
dissipando as sombras. Por isso mesmo, quando foi visto de mão a sangrar, junto
à máquina de que era condutor, todas as atenções se voltaram para ele, entre o
pasmo e a amargura. Saturnino ferido! Logo Saturnino, o amigo de todos... Suas
colegas de fábrica rasgaram peças de roupa, a fim de estancar o sangue a correr
em bica. O chefe da tecelagem, solícito, conduziu-o ao automóvel, internando-o
de pronto em magnífico hospital. Operação feliz. O cirurgião informou, sorrindo:
- Felizmente, nosso amigo perderá simplesmente o polegar. Todo o braço direito
está ferido, traumatizado, mas será reconstituído em tempo breve. Longe desse
quadro, porém, o caso merecia apontamentos diversos: - Por que um desastre
desses com um homem tão bom? – murmurava uma companheira.
- Tenho visto tantas mãos criminosas saírem ilesas, até mesmo
de aviões projetados no solo, e justamente o Saturnino, que nos ajuda a todos,
vem de ser a vítima! – comentava um amigo.
- Devemos ajudar Saturnino. – Cotizemo-nos todos para ajudá-lo.
Mas também não faltou quem dissesse: - Que adianta a religião, tão bem
observada? Saturnino é Espírita convicto e leva a sério o seu ideal. Vive para
os outros. Na caridade é um herói anônimo. Por que o infausto acontecimento? –
expressava-se um colega materialista.
E à tarde, quando o acidentado apareceu muito pálido, com o
braço direito em tipoia, carinho e respeito rodearam-no por todos os lados.
Saturnino agradeceu a generosidade de que fora objeto. Sorriu, resignado.
Proferiu palavras de agradecimento a Deus. Contudo, estava triste.
À noite, em companhia da esposa, compareceu à reunião
habitual do templo Espírita que frequentava. Sessão íntima. Apenas dez pessoas
habituadas ao trato com os sofredores. Consagrado ao serviço da prece, o
operário, em sua cadeira humilde, esperava o encerramento, quando Macário, o
orientador espiritual das tarefas, após traçar diretrizes, dirigiu-se a ele,
bondoso: - Saturnino, meu filho, não se creia desamparado, nem se entregue a
tristeza inútil. O Pai não deseja o sofrimento dos filhos. Todas as dores
decretadas pela Justiça Divina são aliviadas pela Divina Misericórdia, toda vez
que nos apresentamos em condições para o desagravo. Você hoje demonstra
indiscutível abatimento. Entretanto, não tem motivo. Quando você se preparava
ao mergulho no berço terrestre, programou a excursão presente. Excursão de
trabalho, de reajuste. Acontece, porém, que formulou uma sentença contra você
mesmo... Fez uma pausa e prosseguiu: - Há oitenta anos, era você poderoso
sitiante no litoral brasileiro e, certo dia, porque pobre empregado enfermo não
lhe pudesse obedecer às determinações, você, com as próprias mãos, obrigou-o a
triturar o braço direito no engenho rústico. Por muito tempo, no Plano
Espiritual, você andou perturbado, contemplando mentalmente o caldo de cana
enrubescido pelo sangue da vítima, cujos gritos lhe ecoavam no coração. Por
muito tempo, por muito tempo... E continuou:
- E você implorou existência humilde em que viesse a perder
no trabalho o braço mais útil. Mas, você, Saturnino, desde a primeira mocidade,
ao conhecer a Doutrina Espírita, tem os pés no caminho do bem aos outros. Você
tem trabalhado, esmerando-se no dever... Não estamos aqui para elogiar, porque
você continua lutando, lutando... e o plantio disso ou daquilo só pode ser
avaliado em definitivo por ocasião da colheita. Sei, porém, que hoje, por
débito legítimo, alijaria você todo o braço, mas perdeu só um dedo...
Regozije-se, meu amigo! Você está pagando, em amor, seu empenho à Justiça... De
cabeça baixa, Saturnino derramava grossas lágrimas. Lágrimas de conforto, de
apaziguamento e alegria...
Na manhã seguinte, mostrando no rosto amorável sorriso,
compareceu, pontual, ao serviço. E porque o fiscal do relógio lhe estranhasse o
procedimento, quando o médico o licenciara por trinta dias, respondeu
simplesmente: - O senhor está enganado. Não estou doente. Fui apenas acidentado
e posso servir para alguma coisa. E caminhando, fábrica a dentro, falou alto,
como se todos devessem ouví-lo: - Graças à Deus! (A Vida Escreve, Espírito Hilário
Silva-Chico e Waldo)