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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


Eu Não Vim Destruir a Lei

Cap. I de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec

“Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas: não os vim destruir, mas cumpri-los; porquanto, em verdade vos digo que o céu e a Terra não passarão sem que tudo o que se acha na lei esteja perfeitamente cumprido, enquanto reste um único jota e um único ponto”.

Explica Allan Kardec que, "na lei  mosaica há duas partes distintas:

A Lei de Deus, promulgada no monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, decretada por Moisés.

Uma é invariável; a outra, apropriada aos costumes e ao caráter do povo, se modifica com o tempo. A lei de Deus está formulada nos dez mandamentos. É de todos os tempos e de todos os países essa lei e tem, por isso mesmo, caráter divino. Todas as outras são leis que Moisés decretou, obrigado que se via a conter, pelo temor, um povo de seu natural turbulento e indisciplinado, no qual tinha ele de combater arraigados abusos e preconceitos, adquiridos durante a escravidão do Egito. Para imprimir autoridade às suas leis, houve de lhes atribuir origem divina, conforme fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A autoridade do homem precisava apoiar-se na autoridade de Deus; mas, só a ideia de um Deus terrível podia impressionar criaturas ignorantes, em as quais ainda pouco desenvolvidos se encontravam o senso moral e o sentimento de uma justiça reta. A moral que Moisés ensinou era apropriada ao estado de adiantamento em que se encontravam os povos que ela se propunha regenerar, e esses povos, semiselvagens quanto ao aperfeiçoamento da alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar a Deus de outro modo que não por meio de holocaustos, nem que se pudesse perdoar a um inimigo”.

“Jesus não veio destruir a lei, isto é, a lei de Deus; veio cumpri-la, isto é,  desenvolvê-la, dar-lhe o verdadeiro sentido e adaptá-la ao grau de adiantamento dos homens. Quanto às leis de Moisés, propriamente ditas, ele, ao contrário, modificou-as profundamente, quer na substância, quer na forma”.

Todas as outras leis, pois, eram 613 princípios instituídos por Moisés, 248 positivos, o que fazer, e 365 negativos, o que não fazer, para conter um povo turbulento e indisciplinado.

Quando Jesus foi perguntado por um fariseu: 
“Mestre, qual o maior mandamento da Lei?” ele deu-lhe uma fantástica resposta:

“Amarás o Senhor teu Deus de toda a tua alma, de todo o teu coração, de todo o teu entendimento. Este o primeiro e grande mandamento da Lei. E há o segundo, semelhante ao primeiro: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Nestes dois mandamentos estão a Lei e os Profetas”.

Vejam que Jesus sintetizou “toda” Lei transmitida aos homens, encontrada em Deuteronômio, 6:5 e em Levítico, 9:18. E o próprio escriba concordou com Ele, comentando, ao final, que estes dois mandamentos ultrapassavam “todos os holocaustos e sacrifícios”.

Quando Jesus esteve na sinagoga de Nazaré e foi convidado para fazer a leitura dos textos ditos sagrados, apresentaram-lhe o livro de Isaías, que havia previsto a vinda do Messias 800 anos antes. (Isaías 61: 1-2) 

E Jesus leu o seguinte texto:

- O Espírito do Senhor está sobre mim. Ungiu-me para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação dos cativos, restauração da vista aos cegos e para por  em liberdade os oprimidos e proclamar o ano aceitável do Senhor. E Jesus omitiu a última frase: ... e o dia da vingança do nosso Deus.

 Após a leitura,  fechou o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então, começou a dizer-lhes: 

 - Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos.

A reação da assembleia foi de espanto:

- De onde lhe vem essa sabedoria e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro? Não se chama a mãe dele Maria e os seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E as suas irmãs não vivem entre nós? Donde, então, lhe vem essas coisas? E se escandalizavam dele.

Jesus respondeu-lhes:

- Sem dúvida me direis este provérbio: "Médico, cura-te a ti mesmo. Tudo o que ouvimos teres feito em Cafarnaum, faze-o também aqui na tua terra. Em verdade vos digo que nenhum profeta é aceito na sua terra. Em verdade, vos digo que muitas viúvas havia em Israel, ao tempo de Elias, quando o céu de fechou durante três anos e seis meses e grande fome assolou toda a Terra; entretanto, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma que era viúva em Sarepta de Sídon (Hoje pertence ao Líbano). Havia também muitos leprosos em Israel ao tempo do profeta Eliseu e, no entanto, nenhum ficou limpo senão Naamã, que era da Síria.

Todos os que estavam na sinagoga, ao ouvirem estas coisas, ficaram cheios de ira e, levantando-se, expulsaram-no da cidade e o levaram até o despenhadeiro do monte em que a sua cidade estava edificada, para dali o precipitarem. Ele, porém,  passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho. 

(Mateus, 13: 54-58; Lucas, 4: 16-30; Marcos, 6: 2-6)

Não havia chegado a sua hora...

O Cristo, com sua sabedoria, alterou substancialmente muitos conceitos antigos, pois, a maior parte é apenas o relato das experiências e tradições do povo judeu, altamente belicoso e materialista. Quando Jesus afirma que não veio destruir a Lei, Ele se refere ao que, no Velho Testamento, pode ser considerado de inspiração divina, como os dez mandamentos. Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, atribuídos à Moisés, são relatos e tradições do povo judeu, contido por severas disciplinas que atendiam aos interesses da época, mas estavam longe de exprimir a vontade do Criador, como explica Richard Simonetti. 

Este autor diz-nos que “há passagens incríveis nas páginas da Bíblia, a começar pela fantasiosa criação do Mundo, no livro Gênesis, que nos fala de um homem feito de barro, uma mulher tirada da costela, uma serpente que fala e um pecado original, que é muito mais um original pecado – servir-se do fruto da árvore da ciência do Bem e do Mal, o que fora proibido por Jeová – porquanto, como pode alguém incorrer em desobediência sem ter noção do que é certo ou errado?

 Nós que não temos nada que ver com as peraltices de Adão e Eva, sofremos ainda hoje as consequências de seu ato. Segundo o relato bíblico, sofremos doenças, limitações e a própria morte apenas porque eles não se mantiveram ignorantes.

A legislação mosaica tem orientações não menos aberrantes, como a determinação de que o cunhado se case com a viúva de seu irmão; a pena de morte para quem desrespeita os pais ou não observa o descanso aos sábados, e a amputação do braço como castigo para o crime de furto.

Quanto aos profetas, situados como indivíduos divinamente inspirados, comportavam-se, não raro, de forma nada exemplar. Eliseu, a caminho de Betel, encontra um bando de crianças que, em infantil folia, o chamam de careca. Tomado de irritação ele evoca sobre elas a “cólera divina”. Logo após, duas ursas saem de um bosque próximo e dilaceram 42 crianças...

Salomão, proclamado sábio dos sábios, iniciou seu reinado mandando eliminar seu irmão Adonias. Consta que castigava impiedosamente seus adversários e que tinha 700 mulheres e 300 concubinas.

Aterradoras são as determinações de Jeová em relação a outros povos. Josué conquistou várias cidades e, seguindo literalmente a recomendação divina, não deixou com vida nada que tivesse fôlego, fossem homens, mulheres, crianças ou animais.

Sob “inspiração divina” os judeus passaram pela História de espada na mão...

Para tanto, Simonetti é incisivo: E há quem afirme ser a Bíblia a palavra de Deus!  

Por isso, quando Jesus proclama que não veio destruir a Lei e os profetas, refere-se ao que, no Velho Testamento, pode ser considerado de inspiração divina, e que se reduz a algumas orientações obtidas por seus homens santos nos momentos de comunhão autêntica com a Espiritualidade Maior”.  (A Voz do Monte)

Nos tempos atuais, a partir de 1857, quando Allan Kardec fez as observações, os estudos e as conclusões sobre os fenômenos que surgiram  no século XIX, o Espiritismo, como ele mesmo diz em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, também diz que “não vem destruir a Lei cristã, mas dar-lhe execução”. Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas, desenvolve, completa e explica em termos claros e para toda gente o que foi dito apenas de forma alegórica. Vem cumprir, nos tempos preditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois,  obra do Cristo, que preside, conforme igualmente anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra.


Fundação do Reino

Muito interessante, conta-nos o Espírito Humberto de Campos que, “nos primeiros dias do ano 30, antes de suas gloriosas manifestações, avistou-se Jesus com o Batista, no deserto triste da Judeia, não muito longe das areias ardentes da Arábia. Ambos estiveram juntos, por alguns dias, em plena Natureza, no campo ríspido do jejum e da penitência do grande precursor, até que o Mestre Divino, despedindo-se do companheiro, demandou o oásis de Jericó, uma bênção de verdura e água, entre as inclemências da estrada agreste. De Jericó dirigiu-se então para Jerusalém, onde repousou ao cair da noite. Sentado como um peregrino, nas adjacências do Templo, Jesus foi notado por um grupo de sacerdotes e pensadores ociosos, que se sentiram atraídos pelos seus traços de formosa originalidade e pelo seu olhar lúcido e profundo. Alguns deles se afastaram, sem maior interesse, mas Hanã, que seria, mais tarde, o juiz inciente de sua causa, aproximou-se do desconhecido e dirigiu-se-lhe  com orgulho:

- Galileu, que fazes na cidade?

- Passo por Jerusalém, buscando a fundação do Reino de Deus! – exclamou o Cristo, com modesta nobreza.

- Reino de Deus? – tornou o sacerdote com acentuada ironia. – E que pensas tu venha a ser isso?

- Esse Reino é a obra divina no coração dos homens! – esclareceu Jesus, com grande serenidade.

- Obra divina em tuas mãos? – revidou Hanã, com  uma gargalhada de desprezo. E, continuando as suas observações irônicas, perguntou:

- Com que contas para levar avante essa difícil empresa? Quais são os teus seguidores e companheiros?... Acaso terás conquistado apoio de algum príncipe desconhecido e ilustre, para auxiliar-te na execução de teus planos?

- Meus companheiros hão de chegar de todos os lugares – respondeu o Mestre com humildade.

- Sim – observou Hanã – os ignorantes estão em toda parte na Terra. Certamente que esse representará o material de tua edificação. Entretanto, propões-te realizar uma obra divina e já viste alguma estátua perfeita modelada em fragmentos de lama?

- Sacerdote – replicou-lhe Jesus, com energia serena – nenhum mármore existe mais puro e mais formoso do que o do sentimento, e nenhum cinzel é superior ao da boa-vontade.

Impressionado com a resposta firme e inteligente, o famoso juiz ainda interrogou:

- Conheces Roma e Atenas?

- Conheço o amor e a verdade – disse Jesus convictamente.

- Tens ciência dos códigos da Corte Provincial e das leis do Templo? – inquiriu Hanã, inquieto.

- Sei qual é a vontade de meu Pai que está nos céus – respondeu o Mestre, brandamente.

O sacerdote o contemplou irritado e, dirigindo-lhe um sorriso de profundo desprezo, demandou a Torre Antônia, em atitude de orgulhosa superioridade. (Boa Nova-Humberto de Campos e Chico)

 

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