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segunda-feira, 21 de julho de 2014

                                                          Estranha Moral
                                          Cap. XXIII, de O Evangelho Segundo o Espiritismo

"Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e a sua mãe, a sua mulher e a seus filhos, a seus irmãos e irmãs, mesmo a sua própria vida, não pode ser meu discípulo." (Lucas, 14:25-27, 33)
"Aquele que houver deixado, pelo meu nome, sua casa, os seus irmãos, ou suas irmãs, ou seus filhos, ou suas terras, receberá o cêntuplo de tudo isso e terá por herança a vida eterna. (Mateus, 19:29)
"Disse a outro: Segue-me; e o outro respondeu: Senhor, consente que, primeiro, eu vá enterrar meu pai. Jesus retrucou: Deixa aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o reino de Deus. (Lucas, 9:59-60)
"Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada; porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; e o homem terá por inimigos os de sua própria casa." (Mateus, 10:34-36)

Allan Kardec reuniu no Cap. XXIII, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, vários pensamentos atribuídos à Jesus. Alguns chocaram as pessoas e até os próprios discípulos, uma vez que eram ideias novas para aqueles tempos, exigindo do Cristo maiores esplanações após o atendimento das multidões. Outras ideias que lhe atribuem, não se coadunam com a sua conduta e amor ao próximo. Como os Evangelhos foram escritos após sua morte, é bem provável que o fundo do seu pensamento não foi apreendido, ou, o que Ele havia expressado sofreu inúmeras alterações, ao passar de uma língua para outra.
- Odiar os pais - Este pensamento nada tem a ver com a conduta e o amor ao próximo apregoado por Jesus, sendo totalmente contrário ao espírito do que ensinou.
- Abandonar pai, mãe e filhos - Kardec lembra que, neste caso, antes de se discutir as palavras, Jesus quis dizer que "os interesses da vida futura prevalecem sobre todos os interesses e todas as considerações humanas", estando conforme a sua doutrina de amor ao próximo. Aqui mesmo na Terra as pessoas não partem para defender seus países, nos confrontos infelizes que ainda ocorrem, abandonando seus familiares? Os filhos não saem de casa para formar outras famílias? Por vários motivos as pessoas têm de afastar-se de casa. Nem por isso as afeições se rompem. Kardec enfatiza que este pensamento tinha por objetivo mostrar "quão imperioso é para a criatura o dever de ocupar-se com a vida futura."
- Deixar os mortos o cuidado de enterrar seus mortos - Kardec explica que este pensamento tem "um sentido profundo, que só o conhecimento mais completo da vida espiritual podia tornar perceptível." E até hoje muitas pessoas, como desconhecem ou estão esquecidos da vida espiritual, não compreendem esta ideia. Todos os dias vemos na TV, ouvimos no rádio, acompanhamos nas Redes Sociais, pessoas preocupadas com cadáveres, com funerais, sofrendo pela morte de seus afetos, como se esta vida material e passageira fosse a mais importante. Querem os restos mortais como se significassem alguma coisa. O corpo físico é como uma veste. Quando fica rota, ela não nos serve mais. Somos gratos a Deus pelo seu empréstimo, que foi valioso para o nosso progresso enquanto esteve animado. Quando o corpo perece, decompõe-se. Os átomos voltam à Natureza. O Espírito segue para a Pátria Espiritual, mais vivo do que nunca, mais pleno, sem as dificuldades que a vida física impõe aos habitantes do planeta. Aquele homem que disse a Jesus que, para seguí-lo, primeiro precisava enterrar seu pai, segundo Kardec, o que ele precisava aprender era: "Não te preocupes com o corpo, pensa antes no Espírito; vai ensinar o Reino de Deus; vai dizer aos homens que a pátria deles não é a Terra, mas o Céu, porquanto somente lá transcorre a verdadeira vida."
Ainda hoje as pessoas estão apegadas mais à matéria do que ao Espírito. É muito grande o culto aos mortos, aos cadáveres. É muito grande o sofrimento quando alguém parte para o Além. Tudo porque as pessoas estão esquecidas de que vieram de lá. Estão absorvidas pelo mundo das ilusões. Não têm orientação espiritual. Não são esclarecidas. Ainda predomina o obscurantismo em questões espirituais aqui na Terra. Por isso, todos os dias estamos assistindo nas mídias grupos de pessoas querendo "justiça", quando morrem seus afeiçoados em acidentes aéreos e terrestres, em incêndios ou qualquer outra tragédia que causa comoção. Elas não sabem lidar com a morte, faltando-lhes uma "Educação para a Morte", como ensinava o Professor Herculano Pires. Estes são os mortos que enterram seus mortos, pois, ainda não perceberam que o mais importante é o Espírito, que sobrevive a tudo. E continua amando aqueles que ficam na retaguarda.
- Não vim trazer a paz, mas a divisão - Aqui, segundo Allan Kardec, o significado é: "Não creais que a minha doutrina se estabeleça pacificamente; ela trará lutas sangrentas, tendo por pretexto o meu nome, porque os homens não me terão compreendido, ou não me terão  querido compreender. Os irmãos, separados pelas suas respectivas crenças, desembainharão a espada um contra o outro e a divisão reinará no seio de uma mesma família, cujos membros não partilhem da mesma crença. Vim lançar fogo à Terra para expungí-la dos erros e dos preconceitos, do mesmo modo que se põe fogo a um campo para destruir nele as ervas más, e tenho pressa de que o fogo se acenda para que a depuração seja  mais rápida, visto que do conflito sairá triunfante a Verdade."
"Toda ideia nova encontra oposição e nenhuma há que se implante sem lutas. Jesus vinha proclamar uma doutrina que solaparia pela base os abusos de que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes do seu tempo. Imolaram-no, portanto, certos de que, matando o homem, matariam a ideia. Esta, porém, sobreviveu, porque era verdadeira; engrandeceu-se, porque correspondia aos desígnios de Deus..."
"Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam quanto à interpretação das palavras do Mestre, veladas, as mais das vezes, pela alegoria e pelas figuras da linguagem. Daí o nascerem, sem demora, numerosas seitas, pretendendo todas possuir, exclusivamente, a verdade e o não bastarem dezoito séculos para pô-las de acordo." Esqueceram o mais importante: caridade, fraternidade, amor ao próximo. As seitas mais fortes esmagaram as mais fracas, afogando-as em sangue, torturando-as e aniquilando-as nas fogueiras. Os cristãos, de perseguidos que eram, fizeram-se perseguidores. As cruzadas e demais guerras religiosas foram mais crueis e causaram mais vítimas do que as guerras políticas.
E Jesus nada tem a ver com isso. Nunca mandou maltratar ou matar alguém. Sempre afirmou que todos os homens são irmãos. Ensinou que amássemos uns aos outros, que perdoássemos os nossos inimigos, que fizéssemos o bem a quem nos perseguisse. E ainda advertiu que quem matasse pela espada, pela espada pereceria. Mas, a responsabilidade dos crimes não são dele. São dos homens, devido à sua inferioridade que caminha lentamente para a luz.

Conta o Espírito Humberto de Campos que, quando Jesus ensinou que "todos os homens que não estivessem decididos a colocar o Reino de Deus acima de pais, mães e irmãos terrestres, não podiam ser seus discípulos, Pedro, interpelando-o, disse:
- Mestre, como conciliar estas palavras tão duras com as vossas anteriores observações, relativamente aos laços sagrados entre os que se estimam?
Sem deixar transparecer nenhuma surpresa, Jesus esclareceu: - Simão, a minha palavra não determina que o homem quebre os elos santos de sua vida; antes exalta os que tiverem a verdadeira fé para colocar o poder de Deus acima de todas as coisas e de todos os seres da criação infinita. Não constitui o amor dos pais uma lembrança da bondade permanente de Deus? Não representa o afeto dos filhos um suave perfume do coração? Tenho dado aos meus discípulos o título de amigos, por ser o maior de todos. O Evangelho não pode condenar os laços de família, mas coloca acima deles o laço indestrutível da paternidade de Deus. O Reino do Céu no coração deve ser o tema central de nossa vida. Tudo mais é acessório. A família, no mundo, está igualmente subordinada aos imperativos dessa edificação. Já pensaste, Pedro, no supremo sacrifício de renunciar? Todos os homens sabem conservar, são raros os que sabem privar-se. Na construção do Reino de Deus, chega um instante de separação, que é necessário se saiba suportar com sincero desprendimento. E essa separação não é apenas a que se verifica pela morte do corpo, muitas vezes proveitosa e providencial, mas também a das posições estimáveis no mundo, a da família terrestre, a do viver nas paisagens queridas, ou, então, a de uma alma bem-amada que preferiu ficar, a distância, entre as flores venenosas de um dia!...
Ah! Simão, quão poucos sabem partir, por algum tempo, do lar tranquilo, ou dos braços adorados de uma afeição, por amor ao Reino que é o tabernáculo da vida eterna! Quão poucos saberão suportar a calúnia, o apodo, a indiferença, por desejarem permanecer dentro de suas criações individuais, cerrando ouvidos à advertência do Céu para que se afastem tranquilamente!... Como são raros os que sabem ceder e partir em silêncio, por amor ao Reino, esperando o instante em que Deus se pronuncia! Entretanto, Pedro, ninguém se edificará, sem conhecer essa vontade de Deus, no momento oportuno, compreendendo a sublimidade de seus desígnios. Por essa razão, os discípulos necessitam aprender a partir e a esperar onde as determinações de Deus os conduzam, porque a edificação do Reino do Céu no coração dos homens deve constituir a preocupação primeira, a aspiração mais nobre da alma, as esperanças centrais do Espírito!..." (Boa Nova, psicografia de Chico Xavier)
Para o Espírito Públio, "abandonar pai e mãe, deixar filhos, não sepultar o corpo morto de um ente querido, amar mais a Deus do que aos seres queridos da Terra, preparar-se para a luta e o sofrimento, pois sua jornada levantaria a dor e a divisão, são conceitos que, na visão estreita da moral mesquinha e imediatista, ligada aos conceitos transitórios da matéria e das convenções sociais, representam uma agressão ao bom senso do mundo das ilusões. Um mundo que aceitou transformar-se em uma vitrine mentirosa, onde os valores mais profundos se vêem trocados pelo brilho das aparências enganadoras. Um mundo onde se pregam conceitos de religiosidade, mas se faz vista grossa para as desgraças morais. Onde governos falam de paz, produzindo armamentos, onde se censura a licenciosidade, mas se utiliza da nudez para vender produtos, onde se descobrem os males causados pelos vícios, mas se estimula o povo a mantê-los através de propagandas e publicidades. Um mundo onde todos querem ganhar mais trabalhando sempre menos, onde a alegria dos que possuem é se sentirem superiores aos despojados, onde as pessoas se tratam com base no que vestem, onde se disputam marcas e etiquetas pagando-se preços exorbitantes para desfilá-las como sinal de status social, enquanto pessoas famintas vasculham detritos para que não morram.
Estranha esta moral dos homens que produziram empresas para terem mais empregos e estão padecendo da falta de trabalho, que desenvolveram aparelhos e remédios para curar doenças e estão cada vez mais enfermos, que aperfeiçoam as cidades e se tornam mais cultos para se matarem mais cruelmente, tornando-se mais indiferentes uns aos outros. Diante de tais discrepâncias, a moral de Jesus, considerada estranha pelos homens de todos os tempos, está a dizer que, em verdade, muito estranhos são os próprios homens." (Relembrando a Verdade, psicografia de André L. Ruiz)

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